ciências adormecidas ou frouxas, sacudir indecisões e inércias e canalizar para Angola uma onda de simpatia, de fraternidade, de apoio moral e material.

E, na verdade, Ferreira da Costa não carecia de um apontamento, de um papel, para produzir as comunicações diárias, através da rádio, para o Portugal metropolitano. Aquele homem seco e baixo, de cabeça precocemente envelhecida, tinha em frente do microfone a fluência espontânea e a vibração que somente a sinceridade e a emoção dos acontecimentos vividos à nossa, beira, numa terra muito amada, podem produzir.

Recordo, com efeito, a insistência do seu apelo para a ida de colonos que ocupassem as vastas lonjuras angolanas.

Muitas foram as críticas injustas que aleivosamente lhe teceram por essa ocasião! Censuravam-no alguns, dos rotineiros com responsabilidades técnicas e administrativas, temerosos dos safanões às delongas habituais, bradando não haver estruturas na província aptas para receberem grande número de emigrantes. Outros, timidamente agachados ante o bater do pé dos façanhudos ditadores do Terceiro Mundo, asseveravam que a ida de gente branca para Angola iria prejudicar as populações nativas, por lhes disputar os poucos empregos existentes. Outros ainda, de alma oirada de transigências com as resoluções internacionais, temiam que a emigração de metropolitanos para Angola congregasse contra Portugal todas as más vontades do estrangeiro.

Não eram, porém, essas críticas malévolas ou falhas de apoio lógico que iriam vergar o ânimo de lutador de Ferreira da Costa.

Aos primeiros, numa prosa fuzilante, esporeava-os com as consequências da sua inércia, incitando-os a acelerar o aparecimento de novas estruturas e a improvisar inteligentemente, como a conjuntura o exigia.

Aos que temiam a concorrência dos metropolitanos fazia ele notar que Angola, cerca de catorze vezes e meia maior do que a metrópole, possuía apenas um número de habitantes aproximadamente igual a metade das gentes metropolitanas. Acaso não poderia duplicar-se esse número sem que as populações se viessem a acotovelar ou a prejudicar-se mutuamente? Num território tão vasto como o de Angola e tão escassamente povoado por uma população pouco produtiva, se lá viessem a estabelecer-se alguns milhares de habitantes bastante laboriosos e, sobretudo, capazes de servirem de catalisador à maior produtividade dos naturais, logicamente se verificaria um acréscimo do rendimento e, por conseguinte, uma elevação do nível de vida e uma melhoria no bem-estar de quantos até então lá viviam.

Aos outros, aos que pretendiam transigir com a opinião dos areópagos internacionais, perguntava ele se há muito já não estávamos nós amarrados ao pelourinho da calúnia pela doblez dos que nos pretendiam esbulhar. Fizéssemos o que fizéssemos - muito ou nada -, não seríamos nós, Portugueses, sempre malsinados por aqueles que têm o único e firme propósito de nos despojarem e nos destruírem?

E a verda de é que todos quantos acorreram ao apelo de Ferreira da Costa e souberam persistir no esforço e no trabalho, todos quantos perseveraram na luta contra os dias difíceis dos primeiros tempos, conseguiram prosperar e vivem hoje num bem-estar económico que talvez jamais viessem a alcançar em qualquer outra parte do Mundo.

Ferreira da Costa não lhes mentira. Ferreira da Costa conhecia bem as potencialidades daquela terra opulenta.

Ali colhera, nos anos de juventude, experiências, aventuras, contactos humanos e com a própria natureza em toda a sua magnificência e primitivismo - que lhe haviam inspirado páginas consagradas. Na plenitude e na maturidade da vida, ali se lhe deparara, do jornalista, a selva humana da cidade, que ele achava mais insidiosa e temível que os sertões, e onde na sombra cresciam sombras e soavam rebates, que lhe alertavam o espírito subtil e a fina percepção.

Eis que, por singular destino, a morte de Ferreira da Costa vem coincidir com o aniversário dos dias candentes em que ele representou para o País a verdade e a determinação das gentes de Angola.

Morre como um lutador, prostrado ao cabo de uma longa batalha contra a doença, e da mesma forma como sempre reagiu perante os desaires, assim lutou tenazmente e espantosamente até ao fim, o homem que toda a vida foi um lutador.

O Sr Neto Miranda: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr Neto Miranda: - Eu queria muito sinceramente associar-me às palavras de homenagem que V. Ex.ª está a prestar a um grande jornalista e a um grande português.

Acompanhei durante muitos anos a vida de Ferreira da Costa e se com ele não convivi de perto, convivi o suficiente para perceber quão forte era a sua fibra de português.

Era um homem que se preocupava muito com a maneira como podia ser gerido o espaço da Nação Portuguesa.

Era um homem de uma fé extraordinária, uma fé que nada podia perturbar no que ele sentia de mais entranhadamente seu o amor a Portugal, o ser português no tempo e no largo espaço que nós temos que percorrer e que temos que viver como portugueses.

Era esta palavra que eu queria deixar registada em louvor de Ferreira da Costa.

O interruptor não reviu

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Neto Miranda, pelas suas palavras, que vieram corroborar as minhas afirmações.

Todos nos devemos sentir mais pobres quando desaparece um homem da sua têmpera Com efeito, com a morte de Ferreira da Costa algo nos foi roubado de valioso, de firme, de inquebrantável. O País acaba de perder um grande jornalista e um grande escritor, e Angola, neste momento, sente, para além disso, a perda de um companheiro dos dias de luta e de incerteza, quando a pena do jornalista era então a sua arma de combate, arma mortífera e candente, contra a mentira, o desleixo e a barbárie.

Vozes: - Muito bem!