O Sr Presidente: - Srs. Deputados: Vamos passar à

Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei sobre a criação de secções cíveis e criminais nas Relações.

Tem a palavra o Sr Deputado Fernando de Oliveira.

resto, só reconhece como limites a moral e o direito.

Dificuldades e desequilíbrios que o limiar da era pós-industrial que se avizinha torna mais complexas e angustiantes para quem, como nós, tem que procurar a harmonia entre o interesse social e a dignidade da pessoa humana, num mundo em explosão tecnológica, demográfica e ideológica.

Explosão que tem estilhaçado, com incrível violência, os mais arreigados e veneráveis princípios que os séculos estratificaram através da influência do humanismo cristão, sempre presente mas nem sempre actuante.

Estilhaços que têm sulcado a face sacrossanta da Autoridade, da Família e da própria Igreja.

Sulcos que muitos cobardemente procuram esconder, como chaga repulsiva, e que outros capricham em exibir como carisma mártir de uma nova idade do homem.

Sem bússola e sem norte, o homem, tem absoluta necessidade de se arrimar a qualquer coisa que o salvaguarde dos abusos ou desvios do poder e dos egoísmos incontrolados da selva em que se viu repentinamente mergulhado e errante.

Ao Poder Judicial cabe essa nobre, difícil, fundamental missão.

A lei cuja proposta estamos a apreciar insere-se exactamente na encruzilhada dessa preocupação de equilíbrio.

A uma indispensável especialização de quem julga há que contrapor uma visão ampla do horizonte dos fenómenos sociais.

A um aprofundamento dos conhecimentos específicos de cada ramo do Direito há que impedir o corte dos restantes, tão necessários à vida equilibrada em sociedade uns como os outros.

A lei em gestação procura ir ao encontro dessas preocupações de equilíbrio, e parece-nos que em termos suficientemente cautelosos.

Não vale a pena entrarmos em grandes detalhes técnicos.

A imagem do panorama da ciência jurídica dos países mais evoluídos, que nos foi dada por aquele douto parecer, é suficiente e correcta.

Há, porém, que ter em conta os particularismos da realidade portuguesa.

E aí é que nos parece que a lei que se propõe à nossa consideração não é suficiente.

Sem lhe retirarmos a nossa aprovação na generalidade, sentimos que o douto parecer da Câmara Corporativa pôs o dedo na ferida quando reconhece que «o recrutamento dos magistrados não pode presentemente fazer-se com grandes exigências, acentuando-se até o desinteresse que a carreira judicial vem a suscitar desde há algumas décadas por parte de licenciados que poderiam valorizá-la»

Assim é, na verdade.

Por mais equilibrada e perfeita que seja uma lei nada restará das suas virtualidades se não tiver executores à altura.

Os bens, a liberdade e a honra dos cidadãos não podem estar à mercê de julgadores sem preparação técnica e humanística.

E a especialização só agrava essas carências, pela tendência que dela irremediavelmente dimana, de um estreitamento de vistas, sem tempo nem chama para uma missão de sacerdócio.

Poder-se-á dizer que isso é um sinal irreversível dos tempos, em que o materialis mo tresmalhou as fontes dos sentimentos, colocando o estômago onde estava o coração.

Mas alguma coisa poderá o Governo fazer para um retorno à tradicional dignidade e prestígio da magistratura, cuja honradez e independência, felizmente indiscutíveis, causam o espanto de quem se dá ao trabalho de cotejar os seus vencimentos e as suas regalias com os de outras funções menos nobres e essenciais à vida em sociedade.

Há, porém, que aproveitar este resto, de que falam os evangelhos, para preservar a sanidade e robustez da última trave do edifício social - porventura a sua trave mestra.

E o mesmo se dirá dos serventuários mais modestos, que não menos indispensáveis, da Justiça.

Dois breves apontamentos nos farão reflectir sobre a situação.

Um juiz de 3.ª classe, depois de calcorrear os três escalões da magistratura do Ministério Público, ganha, em média, 14 000$, incluindo vencimento e participação emolumentar líquidos, ajudas de custo nos termos do n.º 6 do art igo 141.º do Estatuto Judiciário, subsídio de viagem e ajudas de custo e transportes para intervenção em colectivos noutras comarcas.

Mas se tal juiz ascende à 2.ª classe e for colocado numa comarca em que haja dois juízos, arrisca-se a ganhar menos cerca de 2000$!

E será legítimo que um ajudante de escrivão nas comarcas de Lisboa e Porto e nalgumas mais seja