Não vale a pena formular recriminações.
O que importa é obter soluções, que não podem ser adoçadas com paliativos e têm de ser nítidas e urgentes.
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem !
O Orador: - Parece aconselhável estabelecer uma base de entendimento entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Defesa, em ordem a debater situação tão crítica e a resolver o impasse.
De contrário, em breve acabaremos por ter juizes que saberão dar tiros, mas não sabem dar sentenças.
Por sobre tudo isto, a aceleração do ritmo da vida e do progresso económico-social fez crescer assustadoramente o volume e a complexidade dos pleitos submetidos aos tribunais.
É forçoso reconhecer que a armadura da organização judiciária já não possui capacidade de resposta a tais circunstâncias e vicissitudes e começa a pedir uma reforma profunda e geral, porque os processos vão aumentando e os juizes vão diminuindo.
Um ordenamento jurídico pode existir sem códigos escritos, mas não pode viver nem funcionar sem juizes verdadeiros, isto é, devidamente apetrechados e ao nível da alta missão que lhes compete e que, afinal, constitui a garantia suprema de todos os cidadãos.
Sr. Presidente. É nesta moldura que se situa a proposta de lei em debate.
Devo confessar que, se não me repugnam as reformas, custa-me aceitar os pequenos remendos, como o que hoje, mercê da imposição constitucional, ocupa a atenção da Câmara.
Considero-o, no entanto, necessário, na medida em que possibilita mais um passo no caminho da especialização e, sobretudo, um desanuviamento na maré-cheia do serviço que perturba as Relações.
Não me é lícito ignorar a categoria das vozes discordantes da proposta de lei, entre as quais se salienta a do bastonário da Ordem dos Advogados, a cujo talento quero ser o primeiro a render homenagem.
A estas palavras de justiça não posso, porém, juntar a minha concordância, porque os argumentos em que se apoia a divergência não me parecem procedentes.
A especialização começa a ser, actualmente, um verdadeiro escudo de protecção para qualquer profissional do foro, perante a multiplicidade das questões, as torrentes de legislação, as vagas de jurisprudência e o oceano de anotações e estudos doutrinários que sobrecarregam e oprimem quem tem de aplicar o direito ou de colaborar na sua aplicação.
Esta mesma tese tem sido preconizada, a propósito da criação, entre nós, das sociedades de advogados, com o objectivo de alcançar, através da racionalização do trabalho, maior profundidade e segurança na informação técnica e, assim, garantir e elevar a eficácia profissional.
Reconhece-se, deste modo, a especialização como uma tendência irreversível, desencadeada pela trepidação da nossa época, que, além do mais, faz brotar uma procissão de novos fenómenos e aspectos sociais que o direito tem de abranger, disciplinar e arbitrar.
Não descortino, pois, motivos para subtrair ao mesmo princípio o tribunal da Relação, que suporta os recursos, não apenas das questões de um causídico, mas dos processos de todos os advogados das inúmeras comarcas do respectivo distrito judicial.
Para se a valiar o volume do serviço que afoga os tribunais das Relações, basta referir que, em 1973, havia para julgar, na 2.ª instância, 2784 processos, todos importantes e muitos de extrema complexidade.
O que isto pressupõe de esforço e vastidão de conhecimentos técnicos prescinde de qualquer sublinhado.
Por isso, na medida em que pode contribuir para atenuar o peso brutal desta tarefa, a criação das secções cíveis e criminais traduz uma solução aceitável
Em contrário, afirma-se que a especialização imprime no juiz uma visão mutilada do ordenamento jurídico, que, insidiosamente, irá gerando o risco de uma deformação profissional, além de poder afectar as sentenças criminais, que, por vezes, são tributárias de ramos de direito de que o julgador fica afastado.
Creio que os argumentos desfocam o cerne do problema.
Na realidade, o perigo não está propriamente na deformação que o exercício continuado de qualquer actividade profissional acarreta e de que a judicatura não está imune.
Reside, isso sim, no excesso do serviço, que, desgastando o espírito do magistrado, o arrasta a julgar depressa, a mecanizar as decisões, a esquecer a respiração humana do caso e o conduz, insensivelmente, a transformar a alta missão de julgar num frio e seco acto de rotina.
O problema consiste, portanto, em evitar este plano inclinado, através de um antídoto capaz de suavizar a incomportável sobrecarga de trabalho.
Ora, a especialização, reduzindo o campo de preocupações do magistrado, permite-lhe aproveitar e desenvolver as tendências do seu espírito, adestrar a preparação jurídica, dedicar-se às ciências afins da sua especialidade, aprofundar a própria cultura geral, numa palavra, alargar o arsenal de conhecimentos que, cada vez mais, a função exige.
Como assinala o parecer da Câmara Corporativa, o julgador que se especializa ganha maior intimidade com o ramo de direito escolhido, que se lhe torna mais familiar e mais fácil.
Desta maneira, poderá produzir maior quantidade de sentenças e, sobretudo, mais apuradas.
Glosando uma frase do bastonário da minha Ordem, direi que o magistrado enciclopédico, precisamente como o advogado, também, oferece o risco «de ser amador em tudo e profundo em coisa nenhuma».
Por outro lado, a criação das secções cíveis e criminais nos tribunais da Relação não corportará inconvenientes de maior, visto inserir-se numa orgânica de especialização mitigada.
Com efeito, durante os longos anos de permanência nos tribunais de comarca, desde a 3.ª classe até à 1.ª, o magistrado tem oportunidade de se debruçar sobre o leque das mais variadas questões jurídicas, solidificando noções, colhendo experiências e sedimentando os princípios basilares dos diferentes ramos de direito, designadamente do civil, comercial e processo.