Não será por ingressar, depois, na secção criminal do tribunal superior que passa a ser um analfabeto jurídico, fora da respectiva especialidade.

Suponho evidente que a especialização, circunscrevendo a matéria e delimitando o esforço, cria a perspectiva de decisões mais sábias e aperfeiçoadas.

E, no domínio da justiça, o importante não é que o juiz julgue tudo, mas que julgue melhor.

Sr. Presidente. Também se ergueu contra a proposta de lei o espectro político de que ela viria diminuir a salvaguarda dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

Salvo o devido respeito, trata-se de fumo sem fogo, e não vejo o mínimo suporte para sustentar tal receio.

O pendor para separar a jurisdição cível e a criminal, como descreve e aponta o parecer da Câmara Corporativa, nem sequer representa grande novidade, sendo mesmo uma tradição da nossa organização judiciária.

E constitui o ensinamento actual que sopra dos sistemas estrangeiros mais representativos, donde, aliás, é costume importar os travejamentos da nossa ciência jurídica.

Certamente ninguém se lembrará de afirmar que a especialização de jurisdições na Alemanha, na França, e na Inglaterra ofende e cerceia as garantias individuais dos cidadãos desses países.

Sr. Presidente Pelas razões sumariamente expostas, dou a minha aprovação na generalidade à proposta de lei em debate.

Mas não queria abandonar esta tribuna sem alertar o Governo para a erosão que, lentamente, está a destruir a orgânica judiciária e sem solicitar o socorro imediato que se impõe.

O Sr. João Manuel Alves: - Muito bem!

O Orador: - Penso que só uma revisão extensa da actual estrutura a pode redimir dos danos ultimamente sofridos e a pode salvar do abismo para que se inclina.

Soterrada em papel selado, a espada da justiça está cada vez menos em condições de rasgar, por entre a avalancha de processos, o sulco luminoso dos valores que simboliza, de que todos nós dependemos e sobre os quais repousa a própria comunidade nacional.

Vozes: - Muito bem !

O Sr. Cardoso de Gouveia: - Sr Presidente, Srs Deputados Está em discussão uma proposta de lei que diz respeito ao funcionamento dos tribunais das Relações.

A organização dos tribunais é matéria de tamanha importância para a defesa dos direitos dos cidadãos que o artigo 93 º da Constituição a incluiu no número daquelas que são da exclusiva competência da Assembleia Nacional.

Humilde jurista que eu sou, não quero, todavia, deixar de dar o meu desvalioso contributo ao debate sobre a presente proposta do Governo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados Talvez não seja exagerado dizer que de entre as funções do Estado a função judicial é tão importante como a legislativa.

Ao Estado compete criar o seu direito positivo, regulando por via de normas gerais e abstractas as relações entre os seus cidadãos e entre estes e o próprio Estado.

Nesta sua actividade, como em tudo o mais, o Estado Português está limitado, nos termos constitucionais, pelas normas da moral cristã, tradicional do País, e pelo direito natural. Isto quer dizer que ao legislar deve o Estado ter em conta aqueles princípios jurídicos que se fundam na própria essência do homem e que por isso não são de hoje nem de ontem, mas de sempre, as tais «leis superiores à lei» de que falou Salazar.

Mas não basta que o Estado defina o direito por meio de normas gerais e abstractas. O imperativo destas normas seria ineficaz se, quando surgem os conflitos de interesses entre os indivíduos ou entre estes e o Estado, não houvesse quem aplicasse aquelas normas aos casos concretos, definindo em termos definitivos o direito em cada caso e fazendo valer coercivamente, se for necessário, essa definição.

Por isso as decisões dos tribunais, quando definitivas, têm a mesma força vinculativa das normas jurídicas.

Na vida das colectividades interessa não só que haja leis excelentes, mas também que estas sejam executadas excelentemente.

Aos povos importa não só o direito legislado, mas sobretudo o direito que é aplicado.

Na parte que diz respeito à resolução dos conflitos de interesses, função judicial do Estado, a aplicação do direito depende primordialmente da maneira como estão organizados e funcionam os tribunais e das qualidades dos homens que neles trabalham e aplicam as leis.

Não foi sem razão que no relatório do Decreto n.º 33 547, de 23 de Fevereiro de 1944, que reorganizou o Estatuto Judiciário, se escreveu «É evidente que, por melhores e mais perfeitas que sejam as leis, a justiça será sempre, mais do que da excelência das leis, o reflexo das qualidades dos homens encarregados da sua aplicação».

Por isso a organização e funcionamento dos tribunais constitui um dos pontos fulcrais na vida de qualquer Estado moderno Importa que ao serviço da justiça se encontrem magistrados de carácter íntegro, de sólida formação moral, dotados de devoção patriótica, colocados ao serviço do bem comum e profundamente conhecedores do direito que têm de aplicar aos casos em litígio.

O juiz tem de ser um profundo conhecedor da lei e da ciência do direito, tanto, mais que nos Estados modernos, como bem se afirma no douto parecer da Câmara Corporativa, o julgador não é hoje um mero executor da lei, antes é cada vez mais importante o seu papel como criador do direito.

Basta ter em conta o revigoramento que a doutrina do direito natural adquiriu nos nossos dias O positivismo jurídico, como o positivismo filosófico, está hoje ultrapassado. A lei estadual não é a única fonte de direito. E há também a atender que entre nós, por exemplo, no artigo 10 º do Código Civil se estabelece a doutrina de que, nas lacunas da lei, quando