O Sr. Presidente: - Srs. Deputados Vamos passar à

que em primeira parte tem como tema a conclusão da discussão na generalidade da proposta de lei sobre a criação de secções cíveis e criminais nas relações.

Tem a palavra o Sr Deputado José da Silva.

O Sr. José da Silva: - Sr. Presidente. Bem gostaria de juntar a minha voz ao coro dos que já se pronunciaram a favor da criação de secções cíveis e criminais nas relações, mas assaltam-me tantas dúvidas sobre a conveniência da medida proposta que não posso deixar de submeter a exame crítico as «evidências» em que alguns se fundamentam.

Todos parecem estar de acordo em que é preciso começar por salvar a unidade da ordem jurídica, quer ao nível da criação das normas, quer ao nível da sua aplicação aos casos concretos. Nesse aspecto haverá que meditar seriamente na declaração de voto do Sr. Procurador Castanheira Neves.

Sem um sistema judiciário único dificilmente se salvará essa unidade. Tantos códigos de processo, tantos tribunais especiais, tantos supremos tribunais, tantos ministérios a intervir na justiça. ., dificilmente nos darão uma justiça de sentido único Neste domínio, sim, é que seriam bem-vindas algumas reformas.

Assegurada a unidade da ordem jurídica num sistema judiciário único, em que não houvesse lugar para várias justiças, por muito respeitáveis que sejam, em que tudo convergisse, então o problema da inconveniência ou da conveniência e, dentro desta, da medida e modos de promover a especialização dos juizes.

Todos deveriam também estar de acordo em que a conveniência ou inconveniência de qualquer medida que afecte o sistema judiciário se deverá aferir pela indispensável referência às nossas instituições, e não pelas práticas seguidas ou pelas tendências esboçadas na Inglaterra ou na Alemanha.

Medidas válidas para países de verdadeiras instituições democráticas, em que a opinião pública exerce a sua função e a sua pressão em liberdade, podem não servir para aqueles outros países em que os cidadãos têm, sobretudo, necessidade de juizes independentes do poder político ou dos grupos que tentem converter as instituições em instrumentos dos seus interesses ou das suas ideologias.

Daí que o pr oblema agora submetido à apreciação desta Câmara deva ser abordado e resolvido apenas dentro das coordenadas nacionais.

E, dentro destas, assume especial relevo prioritário a necessidade de assegurar, em todas as circunstâncias, a salvaguarda dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, como justamente o salientou o Sr. Procurador Almeida Ribeiro na sua declaração de voto. Essa missão de vigilância está, de resto, consagrada no artigo 123 º da Constituição.

Há quem acentue as comodidades que a especialização poderia trazer aos juizes e aos serviços judiciários como benéfico reflexo sobre a marcha dos processos. Não custa admitir que em certos casos - não muitos - assim possa acontecer. Aos que daí queiram tirar argumentos a favor da especialização dos juizes, eu direi simplesmente que os tribunais não se fizeram para os juizes, mas para os cidadãos.

Mas justificar-se-á realmente a criação de secções cíveis e criminais nas relações?

Não se pode afirma r, como o faz a Câmara Corporativa, que as relações constituem «um hiato», em que a mescla do cível e do criminal se mantêm.

A nível da 1.ª instância só nas comarcas de Lisboa e Porto se tem feito distinção entre jurisdição cível e criminal.

Com a recente criação, à custa do Porto, das comarcas indeferenciadas de Gaia e Matosinhos, a excepção do Norte perdeu boa parte da sua limitada projecção. Todas as demais comarcas do continente e das ilhas estão fora das duas excepções. E essas excepções nem foram estabelecidas com vista à especialização dos juizes, nem estes foram recrutados para esses tribunais em função de qualquer especialização já adquirida.

Por outro lado, como acentuou o Procurador Almeida Ribeiro na sua declaração de voto, «o precedente da criação da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça teve em vista, menos a especialização dos juizes do que a natureza de alguns processos que a Secção iria julgar - os recursos dos tribunais pl enários criminais e os pedidos de habeas corpus».

Sendo a regra a indiferenciação na 1.ª instância, não faz sentido que se justifique a diferenciação nas relações só para que esta, como se afirma no parecer da Câmara Corporativa, «não sofra interrupção no grau intermédio». Não sofre porque o primeiro elo da cadeia não existe, como o reconhece, aliás, a proposta de lei quando lembra que «constitui regra da nossa organização judiciária, mesmo nas comarcas com mais de um juízo, terem os juizes de direito competência cumulativa em matéria cível e matéria criminal».

Não existe o primeiro elo da cadeia que se pretende lançar. E deverá existir?

O relatório da proposta justifica a especialização dos juizes pela «multiplicidade, variedade e complexidade das questões submetidas à apreciação dos tribunais». A especialização permitiria um mais perfeito conhecimento das normas aplicáveis, da doutrina e da jurisprudência, bem como o aproveitamento da própria voc ação intelectual do juiz para um ramo do direito.

Mas onde é que vem desaguar a multiplicidade, a variedade e a complexidade das questões? É na 1.ª instância. É o juiz da 1.ª instância que tem de enfrentar todas as questões, é ele que tem de seleccionar a matéria de facto que interesse à decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, é ele que, na província, já tem de especificar as normas violadas. E todos os juristas sabem que, no nosso direito, a maior parte dos erros que o juiz da 1.ª instância cometa ficarão sanados se as partes interessadas não reagirem atempadamente.

Se se justificava uma especialização dos juizes em face da variedade e complexidade da matéria, isso era a nível dos tribunais de 1.ª instância. Mas, a esse nível, nem ela seria exequível, nem o Governo a julga aconselhável.

Diz, a esse respeito, o próprio relatório da proposta «Não é possível, por enquanto, conseguir uma completa especialização, nem ela tão-pouc o se mos-