traria aconselhável até determinada altura da carreira da magistratura judicial».

Significa isto que é o próprio Governo a reconhecer os inconvenientes da especialização, mesmo quando, por falta de experiência, ela se justificaria teoricamente, com evidência esmagadora perante a variedade e complexidade de questões que os jovens juizes têm de enfrentar logo no início da carreira. A tal ponto considera o Governo inconveniente a especialização dos juizes na 1.ª instância que não propõe qualquer alteração para o regime que se vem seguindo nas comarcas com mais de um juízo.

Só quem olha para o problema sob o ângulo da pura teoria é que se pode impressionar com a falta de especialização dos juizes.

A variedade e multiplicidade das questões o que obriga é à especialização dos advogados. Porque são esses servidores do direito os que, em regra, introduzem as questões nos tribunais e as acompanham em todos os termos e fases processuais Se a questão vai bem posta, o juiz, mesmo inexperiente, tem pouca dificuldade em apreciá-la; e se ela vai mal posta, as normas processuais que nos regem impedem, em regra, que o juiz, mesmo experiente, a salve do fracasso.

Se a especialização nem é exequível, nem aconselhável na 1.ª instância, sê-lo-á na 2.ª? Agora já a especialização seria exequível. Mas será necessária ou aconselhável?

Se o fosse nunca o poderia ser dentro das opções do cível ou criminal, porque todos conhecemos as diversíssimas matérias que se encobrem sob a designação de «cível». Na linha da proposta teríamos especialização no crime, mas não a poderíamos ter no cível perante o mare magnum de questões de natureza tão diversa que nesse domínio se levantam.

Acontece, também, que já é relativamente tarde, no curso da sua vida, que se abre ao juiz a possibilidade de subir à relação.

Quando chega essa oportunidade já os seus hábitos e preferências intelectuais se encontram, em regra, definitivamente conformados Já é tarde para adquirir uma especialização.

Mas essa especialização não me parece, sequer, necessária Primeiro, porque já não é como juiz singular que o desembargador vai decidir, como tantas vezes acontece com o juiz da 1.ª instância. Ele faz parte de um tribunal colegial. A sua apreciação vai ser confrontada com a de outros dois colegas Já não falo, sequer, na troca tão útil de impressões que poderá provocar com outros desembargadores sobre algum problema mais complexo que eventualmente surja.

Para além disso - e este é um ponto importante -, interessa perguntar o que é que, em regra, as relações são chamadas a julgar.

Em regra, são recursos sobre decisões da 1.ª instância, parte deles interpostos por razões meramente dilatórias.

As questões postas já estão definidas. As soluções possíveis aparecem sustentadas por uns e impugnadas por outros, desenvolvendo cada um dos interessados as suas razões na respectiva alegação. E os desembargadores já não podem, em regra, sair para fora dos carris da linha que vem traçada.

Sob o império da verdade formal terá de calar-se muitas vezes a própria realidade.

A especialização é indispensável em muitas actividades humanas. Mas a especialização para um juiz implica normalmente uma desactualização progressiva em relação ao direito do seu país. E os inconvenientes dessa desactualização (porque - não o esqueçamos - o direito é algo sempre em marcha) tenderão a superar as discutíveis vantagens de uma especialização.

Por todas estas razões, não darei o meu voto à proposta em discussão.

O Sr. Vaz Lacerda: - Sr. Presidente, Srs Deputados. Foi esta Câmara chamada a pronunciar-se sobre o proposta de lei n.º 2/XI, que versa a criação de secções cíveis e criminais nas relações e que vem subscrita pelo ex-Ministro da Justiça, Prof. Doutor Almeida Costa.

A matéria em discussão foi já largamente apreciada por uma plêiade de juristas desta Câmara, que dissecaram o tema em todos os seus ângulos e o glosaram doutamente, enriquecendo o debate com a força da sua brilhante argumentação, com a autoridade dos seus conhecimentos e com a honestidade das suas teses.

Daí que, considerando a polémica praticamente esgotada, eu me limite a dar público testemunho da minha humilde posição na problemática em causa, sem nada de válido acrescentar àquilo que de notável aqui foi dito por distintos colegas.

Ora, a proposta de que nos ocupamos visa integrar uma lacuna, visa fazer desaparecer uma solução de continuidade da nossa organização judiciária e traz à lide o decantado problema da especialização de jurisdições, sugerindo, a final, para ele uma solução moderada e plenamente aceitável.

Especialização de jurisdições não é, forçosamente, o mesmo que especialização integral de magistrados, já que, no caso concreto, o juiz da relação, portador de cultura universitária e de vasta experiência dos tribunais, não pode, nem deve, alhear-se de todos os transcendentes ramos do direito, ainda que eventual e temporariamente esteja afecto a um só desses ramos, além do mais, até porque o direito, como ciência complexa que é, pressupõe, nos seus princípios orientadores e na sua aplicação prática, conhecimentos gerais dos mais variados campos em que se desdobra, e que surgem no dia-a-dia dos tribunais.

Por isso, não se trata de apreciar fundamentalmente a problemática da especialização dos juizes, já que esta não está directa e imediatamente em causa, nem será desejável em termos de rígida compartimentação dos seus conhecimentos, de prepar ação exclusivista de ramos de direito. Trata-se essencialmente, por manifesta conveniência de arrumação e compatível movimentação de pleitos, de seccionar os processos em função da sua natureza e de, através de um corpo de juizes mais afeitos e dedicados a determinado ramo do direito, se conseguir uma justiça mais célere, mas igualmente equilibrada e profunda.

Mas será defensável a especialização de jurisdições e, implicitamente, a de magistrados, ainda que dentro da unidade da ordem jurídica?

Não obstante se arrolarem alguns inconvenientes, a verdade é que o princípio da especialização vinga nos países mais evoluídos e representativos, como