entânea - pelas do foro da sua própria secção.

Alega-se ainda que o magistrado, rotinado em certo tipo de decisões, tende a deformar-se profissionalmente e a ver tudo através de uma óptica menos realista e humana, o que fará perigar a salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, sobretudo quando o magistrado do crime, oriundo do Ministério Público e da Polícia Judiciária, vem habituado a uma actividade acusatória ou de tipo processual inquisitório.

Também não procede o argumento, que nos parece de natureza essencialmente política, na medida em que a formação profissional do magistrado, sendo ecléctico-jurídica, afasta aquele tão receado perigo.

Depois, quando o magistrado ascende ao tribunal da relação, já tem no seu activo uma longa carreira profissional variada e independente, com passagem pela magistratura do Ministério Público e pela judicatura dos tribunais de 1.ª instância, e não será a eventual s episódica passagem de alguns (poucos, por sinal) pela Polícia Judiciária que alterará o equilíbrio da sua formação jurídica, o seu sentido de justiça e equidade, a sua própria formação unitária e global do direito, o seu conhecimento e criteriosa avaliação das realidades humanas.

Na verdade, num quadro de mais de 450 juizes de direito, não será uma meia dúzia deles que, tendo passado pela Polícia Judiciária, venha fazer descer a qualidade e a capacidade do magistrado, o mesmo se dirá em relação à magistratura do Ministério Público, que, em média, cede à Polícia Judiciária menos de uma vintena dos seus delegados.

Por isso, o argumento que daqui se pretende tirar contra a especialização de jurisdições e dos próprios juizes não colhe, ou pelo menos não colhe decisivamente.

Sendo assim, justifica-se e recomenda-se a separação de jurisdições na relação e no Supremo, tribunais onde os processos chegam, por norma, já expurgados de apreciação de facto, para apenas se ocuparem da sua apreciação de fu ndo, do enquadramento dos factos no direito aplicável.

Compreende-se, portanto, que numa altura avançada da sua carreira, o magistrado, conhecedor e praticante de todos os ramos e técnicas do direito, possa e deva dedicar-se essencialmente a certo e determinado ramo, para o qual até sentirá natural preferência e no qual, por certo, terá possibilidade de fazer uma indagação mais profunda e um estudo mais aturado, conducentes a um resultado, tanto quanto possível, mais completo e exaustivo.

Quer dizer, na primeira fase da sua actividade jurisdicional o magistrado deve tomar contacto com todos os ramos do direito e, em ulterior fase, deve dedicar-se essencialmente (o que não corresponde a dizer exclusivamente) a um dos dois principais ramos que preenchem a gama de actuação dos tribunais comuns - o criminal e o cível.

Através desta especialização moderna de jurisdições e, em parte, de magistrados, tender-se-á para uma justiça mais pronta e mais segura, no sentido de mais profunda e igualmente independente.

Mas o julgador não pode alhear-se da sua condição de homem e, por isso mesmo, terá de se pôr e de ser posto a coberto de suspeições, através de uma estabilidade material que seja o suporte da sua independência intelectual e funcional.

Corresponde isto a dizer que o magistrado terá de ser compensadoramente remunerado, que haverá de ter um nível de vida compatível com a alta missão que desempenha na sociedade.

Sem este aliciante não pode pensar-se seriamente em ter um quadro de juizes à altura da tradicional reputação da Magistratura portuguesa, que é das mais cotadas do Mundo, e à qual rendo as minhas homenagens muito sinceras.

E a verdade é que, no crescente ritmo inflacionário da vida portuguesa, os vencimentos dos magistrados, tal como os vencimentos da grande maioria dos funcionários públicos, estão longe daquele mínimo que está na base de uma vida decente.

É nosso entender que a todo o funcionário se deve garantir um mínimo para sua subsistência e do seu agregado familiar, já que todos têm iguais necessidades de alimentação, habitação, vestuário, educação e transportes, e os custos são sensivelmente iguais para todos, a partir daí, desse mínimo, olhe-se então equilibradamente para as categorias e para as necessidades supletivas do funcionário, que também haverão de ser consideradas, como é óbvio.

Por isso, o prometido e esperado aumento de actualização dos vencimentos não poderá, em nosso entender e até certo escalão, cingir-se a uma percentagem uniforme sabre o ordenado base, mas deverá antes traduzir-se num acréscimo global mínimo, para, a partir desse escalão limite, passar a funcionar o critério da percentagem.

Da deficiente e desproporcionada remuneração do funcionário público resulta uma maciça deserção dos seus quadros para o das empresas particulares, quando não mesmo para o estrangeiro No sector dos serviços de justiça, o abandono é verdadeiramente co mprometedor da sua normal eficiência, até porque hoje as garantias sociais e de aposentação não são exclusivas dos servidores do Estado, mas, felizmente, extensivas a todo ou a quase todo o trabalhador português.

No que concerne à magistratura, a deserção dos quadros é por demais notória e evidente, pois cerca de 70% dos lugares de delegados das comarcas do País estão vagos ou preenchidos interinamente, pelo que as perspectivas de continuidade de uma magistratura competente estão seriamente comprometidas.