O Orador: - Assim me quer parecer que, cercando embora, de todas as garantias cautelares e de todas as limitações jurídicas o âmbito da licitude das transplantações, distinguindo mesmo, talvez, entre transplantações de órgãos e de tecidos, devemos, contudo, alargar-lhes o campo de aplicação, para além da sua absoluta indispensabilidade para sobrevivência do receptor, até àqueles casos que a Câmara Corporativa define como «de indiscutível e fundamental valor terapêutico»
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por igual me parece de repensar a ordenação do articulado da proposta de lei, dentro do princípio, quanto a num fundamental, de «prévio, iniludível e expresso consentimento» dos interessados, que, em meu entender, deve anteceder tudo o mais E aqui, por sua vez, se insere tudo quanto respeita ao suprimento de consentimento no caso de determinadas incapacidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De acordo com o parecer da Câmara Corporativa no que toca ao caso dos diminuídos mentais, já não posso, contudo, acompanhá-lo quanto ao suprimento da vontade dos menores, ainda dentro dos princípios gerais atrás explanados e que a própria Câmara Corporativa tão louvavelmente aponta também Distinguindo entre as posições do dador e do receptor, pouco haverá que objectar aos mecanismos jurídicos de substituição da vontade no caso deste último, em tanto do que o seu estado comporta de semelhante ao de qualquer outro doente transitoriamente incapacitado por doença de exprimir a sua vontade, ou inferiorizado por menoridade para o mesmo efeito.
Mas não posso aceitar para o dador que, evidentemente, e em contraste flagrante com o receptor, se não encontra em estado de imperiosa necessidade, nem de pessoal e simples necessidade sequer, que outrem, sejam os pais, seja uma entidade pública, seja mesmo um tribunal, venham decidir, através de uma substituição de vontade que retiraria à doação a sua própria essência de acto consciente, livre, espontâneo, e a sua projecção na esfera da sublimação moral.
Quanto ao problema de menoridade do dador, entendo dever encarar-se igualmente no contexto dos princípios atrás definidos. Sem entrar em pormenores, que na discussão na especialidade terão melhor cabimento, parece-me que o assunto tem de ser visto no âmbito das exigências de uma completa e estável formação psico-somática insusceptível a influências estranhas para além do normal, capaz de aprender totalmente os riscos em que deliberadamente vai incorrer, de valorizar devidamente o sacrifício e o sofrimento a que vai dispor-se, de sopesar os motivos que o determinam, o sofrimento e perigo em que o receptor se encontra e de sublimar essa sua posição de dador consciente e livre em benefício do seu próprio devir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com estas considerações termino, dando o meu voto na generalidade à proposta de lei n º 1/XI, com as reservas apontadas, que na discussão na especialidade melhor poderei esclarecer e justificar, mas que, para focarem a essência da questão, quis, desde já, deixar expressas. Em particular, no que respeita à inequívoca manifestação de vontade com base fundamental de licitude, à negação da possibilidade de suprimento dessa vontade em relação ao dador, que, a ser aceite, iria abrir caminho a pretensões de disponibilidade do corpo humano por parte de terceiros, que em breve, a pretexto dos melhores pretextos e das mais sábias intenções, fanam tábua rasa da singularidade da pessoa humana, coisificada no uso e imolada na ara da massificação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados. Vou encerrar a sessão. Aproveito a oportunidade para pedir aqueles da W. Exas. que pensem intervir no debate ora submetido à Assembleia o favor de se inscreverem, tendo em conta que não parece conveniente levar a votação desta matéria além da corrente semana.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei sobre as transplantações de tecidos ou órgãos de pessoas vivas.
Está encerrada da sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Pessoa de Lucena e Valle.
Armando Júlio de Roboredo e Silva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José João Gonçalves de Proença.
Júlio Dias das Neves.
Luís Augusto Nest Arnaut Pombeiro.
Mário Hòfle de Araújo Moreira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs Deputados que faltaram à sessão:
Abílio Alves Bonito Perfeito.
Adolfo Cardoso de Gouveia.
Alda da Conceição Dias Carreira de Moura d'Almeida.
Alípio Jaime Alves Machado Gonçalves.
Álvaro Filipe Barreto de Lara.
Álvaro José Rodrigues de Carvalho.
Álvaro Pereira da Silva Leal Monjardino.
António Calapez Gomes Garcia.
Armindo Octávio Serra Rocheteau.
Augusto Arnaldo Spencer de Moura Braz.
Augusto Salazar Leite.
Camilo Lopes de Freitas.
Delfino José Rodrigues Ribeiro.
Eduardo António Capucho Paulo.
Eduardo do Carmo Ribeiro Moura.