redores, até às tapeçarias, cobrindo uma grande parte das paredes com frescos e pinturas expressivas representando individualidades e acontecimentos do sector médico, nada ali falta.

É tão moderna a sua concepção que até tem um serviço primoroso equipado com o material mais moderno para a recuperação dos deficientes físicos, hoje tão imposto em quase todos os hospitais modernos.

Estou certo de que foi feita com dinheiros públicos tão magnifica unidade hospitalar e que a Nação nada dela usufruí.

Não era já tempo, tendo em vista a carência e a miséria dos nossos hospitais, utilizar-se o Hospital da Gala?

Se é inviável a sua utilização dentro da táctica sanitária nacional, por que se deixou construir? Ora, sou de parecer que o Hospital da Gala poderá ser altamente útil numa carta sanitária do País onde se faça uma política de saúde, tendo em vista as missões dos hospitais e a sua posição estratégica na saúde nacional.

Terminadas estas considerações, e não obstante dar a minha aprovação à proposta de lei do Governo, não pude deixar de reflectir sobre a necessária articulação que sempre se terá de verificar entre os meios postos à disposição para executar uma política concertada no domínio da saúde e os resultados que poderão advir da sua correcta aplicação. Efectivamente, não somos tão ricos que possamos administrar recursos tão escassos sem que deles tiremos o proveito que o País tem direito de exigir.

Estou em crer que a proposta de lei agora apresentada não se afastará deste princípio.

Vozes:-Muito bem!

O Sr Leite de Faria: -Sr Presidente, Srs Deputados Como bem resulta do parecer nº 3/XI da Câmara Corporativa, suscita graves problemas éticos, jurídicos e científicos a proposta de lei n º 1/XI, que neste momento mobiliza a atenção do plenário.

À semelhança do que se foi processando a este respeito em outros países, o homem foi tratado, pela primeira vez entre nós, como instrumento terapêutico pelo Decreto-Lei n º 45 683, de 25 de Abril de 1964, que autorizou a colheita no corpo de pessoa falecida de tecidos ou órgãos de qualquer natureza, nomeadamente ossos, cartilagens, vasos, pele, globos oculares e sangue.

É curioso que, a despeito de o preâmbulo de tal diploma não abordar a ideia da colheita determinada por meras razões de natureza científica, a verdade é que o artigo l º do referido decreto-lei permite a recolha no cadáver dos citados elementos, quando eles forem necessários para fins terapêuticos ou científicos e essa intervenção, para ser útil, não possa aguardar o decurso do prazo legal de prevenção contra a morte aparente. Parece assim que, embora se imponha, em tal domínio, rigoroso respeito pelo decoro do cadáver, de modo a evitarem-se designadamente mutilações ou dissecações desnecessárias, como se determina no artigo 13º do referido diploma legal, se permitiu a colheita de elementos, a extrair do corpo humano abatido pela morte, para fins especificamente científicos.

Na mesma orientação, permitiu a Lei n º 1/70, de 20 de Fevereiro, a colheita de produtos biológicos humanos para conservação por liofilização e outros processos tecnicamente mais aperfeiçoados, para serem utilizados com fins terapêuticos e científicos nos estabelecimentos oficiais de saúde e assistência.

Respeitador, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana, repugnam-me, em princípio, neste campo, todos e quaisquer ensaios que possam conduzir a transformar a criatura em simples cobaia de laboratório.

Não há ainda hoje, por exemplo, sensibilidade que se não alvoroce ao recordar o aparatoso e desumano abuso das experiências médicas nos campos de concentração nazis.

O primeiro direito é aquele que nos torna credores da vida e da comunidade em que contemplamos a luz do dia.

Tal direito - que os juristas apelidam de «essencialíssimo» - deriva da própria natureza humana.

É o direito à vida e à integridade pessoal, que a nossa Constituição proclama no n.º l º do artigo 8 º.

Pelo simples facto de nascermos, assiste-nos, pois, o direito de viver. Esse natural e essencialíssimo direito justifica a própria lei, que é colocada assim ao serviço do homem para lhe assegurar, em termos de dignidade e de segurança, o seu exercício.

Não nos assiste, porém, a par do direito à vida, o direito de lhe pôr termo. É que o «essencialíssimo» direito à vida, de que falam os pensadores e os juristas, não equivale a um direito sobre a vida.

Não.

Pelo simples facto de nascer, o homem fica com o direito e com a obrigação de viver. O direito à vida transcende assim o próprio homem, que não pode dispor afinal daquilo que lhe não pertence - a vida.

Eis a razão pela qual o nosso direito positivo pune aqueles que violarem a obrigação que sobre o homem pesa de viver (artigo 352 º do Código Penal) e aqueles que, para se furtarem a servir nas forças armadas, se mutilarem ou procederem de forma equivalente (artigo 56.º da Lei n.º 2135, de 11 de Julho de 1968).

No nosso ordenamento jurídico, como sucede, aliás, em todas as sociedades civilizadas, o direito à vida e à integridade pessoal é, pois, indisponível.

Integra-se no âmbito dos chamados direitos da personalidade, protegendo-o o conhecido princípio da indisponibilidade, que o preceito do artigo 485 º, alínea c), do Código de Processo Civil se limitou a adjectivar.

O homem é, porém, incapaz de viver sem afecto Ama naturalmente o seu semelhante. Solidariza-se com ele nas horas boas e nas horas más.

O homem isolado é uma abstracção.

Dotado de natural instinto social, faz crescer à sua volta comunidades que se vão alargando. É assim que os chamados direitos sociais vão tomando vulto nas comunidades modernas, na medida em que visam assegurar o próprio ponto de equilíbrio dos direitos individuais.

Aceito, pois, como cidadão e como humilde servidor do Direito, que se sacrifique, por imperiosas razões de solidariedade humana, o princípio e o dogma da indisponibilidade relativamente à integridade pessoal, de modo a permitir-se aos vivos - e em