distante, uma crise energética no mundo evoluído Ninguém suporia, no entanto, que ela se desencadeasse de modo tão brusco e dramático, precipitada como foi pelo conflito do Médio Oriente, que decidiu os grandes produtores árabes a usar, sem contemplações, aquela que passou a chamar-se a «arma do petróleo».

Ora, o Mundo, e particularmente o mundo ocidental, vinha alicerçando não apenas o seu aparelho produtivo, mas todo um estilo de vida, sobre o postulado da energia abundante e barata; e os derivados do petróleo representavam o quinhão essencial -na Europa Ocidental, e no nosso próprio país, cerca de 70%- da energia primária consumida por essas economias. Assim o Ocidente se amarrou, descuidada ou confiantemente, a hipotecas e servidões que, de um dia para outro, se tornaram brutalmente patentes: com os cortes de produção decididos pelos exportadores árabes, as altas de preço inicialmente ainda negociadas e depois já decretadas unilateralmente, as nacionalizações em cascata dos interesses ocidentais no domínio petrolífero.

Tudo isto abalou, instantemente, velhos e sedimentados equilíbrios pois que o Ocidente tinha desmobilizado muitas das suas fontes de energia, longamente se habituara a consumos não indispensáveis e, esgotados outros recursos de baixo custo de utilização, gradualmente se volvera, mais e mais, para os petróleos importados.

O despertar foi o que todos conhecemos penúrias e restrições de que há muito andávamos desafeitos, subidas vertiginosas de preços, deterioração das balanças comerciais; perturbações que bem podem antever-se nos mercados financeiros internacionais pelo afluxo maciço de novas receitas cambiais dos países exportadores.

E não parece sequer que venha a encontrar-se, a curto prazo, resposta eficaz para esta transtornada conjuntura.

A frente comum que alguns países consumidores desejaram e propuseram nem chegou a desenhar-se. Muitos dos grandes do Ocidente preferiram fazer açodadamente, e cada um à revelia dos demais, a sua «viagem a Canossa» - agora a sua peregrinação a Meca: este, contrito e repeso de esquecidos gestos ou inclinações antiárabes; aquele, pressuroso de se lavar de possíveis suspeições pró-israelitas; outros, tomados de repentino fervor pela cooperação industrial com os grandes exportadores de petróleo; e todos, afinal, ansiosos por se garantirem a complacência e os favores das novas feudalidades petrolíferas.

A outra linha de resposta, a pesquisa e desenvolvimento tecnológico de fontes energéticas não convencionais, levará anos, se não décadas, a produzir resultados economicamente praticáveis. Será o caso da energia solar, dos ventos ou das marés, dos campos geotérmicos e -promessa maior, mas ainda distante - a da fusão nuclear controlada para utilizações pacíficas.

Para já aperta-se o cinto com esquemas mais ou menos drásticos de redução nos consumos. E intensificam-se os programas nucleares ou hídricos onde se disponha ainda de aceitáveis potencialidades; retomam-se esquecidos projectos de aproveitamento de xistos ou areias betuminosas, acelera-se a prospecção petrolífera em zonas não tradicionalmente produtoras.

Acresce que a chamada crise do petróleo se não pode olhar em termos puramente energéticos, do petróleo se deriva hoje, pelas diversas linhas da petroquímica, um sem-número de produtos que, nas últimas décadas, literalmente inundaram a vida dos países evoluídos E também por aqui se multiplicaram as perturbações: a escassez e subida de preços desses produtos vêm alentando as pressões inflacionistas que serão hoje o flagelo maior do mundo ocidental.

Como era inevitável, os desequilíbrios e as distorções que acabo de aflorar repercutiram em cheio na economia portuguesa, com as inevitáveis carências e restrições, e dando às tensões inflacionistas renovado impulso que, em boa medida, explicará a aceleração de preços que a nossa economia sofreu nos últimos meses. E se temos conseguido enfrentar a crise sem rupturas perceptíveis nem sacrifícios insuportáveis, não pudemos escapar a certas limitações no uso de combustíveis e a ajustamentos de preços que, em devida altura, se explicaram ao País.

Procurou o Governo que essas limitações maior mente recaíssem sobre o consumo privado. E idêntico desígnio pautou os inevitáveis ajustamentos de preços, se temos das gasolinas mais caras da Europa, temos em contrapartida o fuel e o gasóleo a níveis de preço que andam pelo mais baixo da escala europeia. E é de assinalar que se não registam ainda sinais duradouros de abrandamento na expansão produtiva.

Creio hoje que a generalidade dos consumidores privados, vencidos os primeiros choques de uma realidade menos confortável, claramente entendeu esta verdade elementar que uma economia que pretende consolidar-se e desenvolver-se havia que sacrificar o consumo em favor da contenção de custos das actividades produtivas e da defesa de capacidade concorrencial que lhes é crucialmente indispensável neste tempo de crescente abertura de mercados Por aí se enveredou, na certeza de que outro esquema que mais pesasse sobre os segmentos produtivos bem poderia gerar a estagnação ou mesmo recessões sectoriais, de que dificilmente conseguiríamos isolar o conjunto da economia.

De qualquer modo, a crise do petróleo reflectiu-se, e continuará a reflectir-se, ponderosamente, na nossa vida económica. E impõe-nos redobrada atenção ao criterioso aproveitamento dos nossos recursos, cuidada programação das utilizações das diversas fontes e formas de energia, apurada coordenação das políticas energéticas à escala do todo nacional, agora cometida ao Ministério da Indústria e da Energia. A esta luz plenamente se ajuizará do significado dos dois acontecimentos que pretendi associar a criação do novo Ministério e a intensificação dos trabalhos de prospecção e pesquisa de hidrocarbonetos na metrópole, uma e outra convergindo no mesmo sentido de acrescer a independência e segurança das nossas disponibilidades em energia e em produtos intermédios derivados do petróleo.

Sr. Presidente e Srs. Deputados Apenas, e ainda, duas palavras terminais.

A primeira para assinalar, com a mais viva satisfação, a entrada de duas grandes empresas nacionais - a Petrosul e a Sonap - no terreno da prospecção petrolífera na metrópole, onde a Sacor já está igualmente empenhada. É compreensível e desejável o seu esforço de integração produtiva e de prolongamento