Penso, entretanto, que, para maior exactidão, a dação de órgãos ou tecidos, dada a diferença específica dos mesmos, deveria ser analisada separadamente, apesar de nem uns nem outros se deverem considerar como coisas.
II - O espírito e o corpo-sua interdependência.
A actividade do espírito é fortemente influenciável pelo estado de saúde do corpo, em última análise pelo estado de equilíbrio nas trocas de energia biológica, segundo as leis naturais.
Assim, os actos de vontade e consequente liberdade estarão condicionados em certa medida às realidades bioquímicas do organismo, e afectados uns e limitados outros a esse circunstancialismo dependente.
Se um acto de vontade provém da consciência prévia e da capacidade de decisão, assim também ele depende do resultado das agressões externas e de uma realidade intrínseca de ordem bioquímica que leva a podermos classificar um acto de vontade como autêntica resultante psíquico-bioquímica consciencializada e aceite nas suas consequências.
Não pode deixar de referir-se a considerável importância dos factores emocionais ou familiares, que em situações verdadeiramente dramáticas possa pressionar os espíritos, roubando-lhes autenticamente a liberdade de decisão.
É legítimo arriscar a vida para salvar outra, todavia, não me parece que seria lícito arriscá-la com a certeza de a perder para salvar a de outrem Sena uma espécie de transplantação da própria vida.
Também só é lícito matar em legítima defesa.
Se a actividade do espírito, de natureza diferente da matéria, necessita como que de um corpo material em que se manifesta, por outro lado consome energia material na sua actividade psíquica. Assim, a dependência do espírito em relação à matéria do corpo é significativa.
Alterando as condições materiais e bioquímicas, sem dúvida iremos atingir a própria personalidade As alterações hormonais podem ser disso um exemplo concludente.
Se a liberdade humana é sempre condi cionada e limitada, logicamente o acto de vontade só pode ser valorado de acordo com essa limitação.
Como é impossível penetrar nestes problemas dinâmicos do pensamento, como se diz vulgarmente, a medida humana difere da apreciação por Deus, Ser absoluto e conhecedor de todas as coisas.
A alteração de certas leis da natureza ou a manipulação das mesmas jamais se poderá admitir como pura distracção ou recreio científico, a qual seria prova de criminoso orgulho ou inconsciente aproveitamento de forças vitais.
Como diz o parecer da Câmara Corporativa de 1963.
Todos os aspectos em que se desdobre o tema dos direitos relacionados com a personalidade são solidários entre si e as hesitações e incertezas da doutrina, aliadas aos progressivos abusos da prática, mostram que teria a maior importância definirem-se com rigor os fundamentos racionais dos atributos e prerrogativas que hão-de defender o homem, não só do seu semelhante e da sociedade, como até dos desvios próprios. E importa reconhecer-se que todas as limitações inconsideradas dessa defesa, toda a brecha aberta nesse reduto, sem as devidas precauções, têm sempre grande probabilidade de contribuir para desorientar as ideias e para enfraquecer as garantias da personalidade.
Repugna a «corsificação» do homem, pois que nessa linha os direitos sociais esmagá-lo-iam, despersonalizando-o e sacrificando-o em holocausto a valores impessoais e diluídos do agregado social.
Ainda reportando-me ao parecer da Câmara Corporativa de 1963 sobre os direitos do cadáver, vem a propósito referir:
[ ] destituído de vida, incapaz de se defender e abandonado, portanto, à piedade e à honra dos vivos, o cadáver tem sido um dos mais fortes diques opostos à corrente dos desregramentos e do materialismo, desprezando os despojos do homem, tomem-se eles como coisas, transformem-se em meros objectos, e em breve se começará a perguntar se há diferença entre eles e o velho moribundo, o imbecil, o delinquente, o perigoso ou o simples doente que já em si traga o germe da morte.
Se, em relação aos cadáveres, são válidas as considerações transcritas, maior acuidade assumem os idênticos problemas dos vivos.
II) A ciência autêntica e os desvios verificados.
Dotado o homem de actividade intelectual, a sua inteligência vai a pouco e pouco, mercê do estudo aturado e paciente, tomando conhecimento dos segredos da Natureza e do Universo.
Em concepção cristã, a ciência jamais se oporá a Deus Se para nós Deus é a fonte criadora de tudo, e disso estamos bem convictos, logicamente se deduz que a certeza temos de que o desenvolvimento da ciência jamais afastará o homem de Deus, antes para Ele fará a convergência total e não poderá admitir-se em boa lógica que o produto criado possa destruir o Criador absoluto.
Quando se temesse que a ciência pudesse destruir a Deus, nesse momento já não teríamos fé ao admitir tal hipótese e o objectivo da nossa crença seria outro, mergulhando num materialismo que insensivelmente deusificaríamos, como se verifica em certos campos do pensamento.
Para o cristão a ciência não é mais do que o conjunto de segredos da Natureza e do Universo, autênticos segredos que Deus permite serem revelados progressivamente e alcançados pelo homem como resultante do seu esforço na procura do bem.
Ainda em boa tese materialista, a fonte de energia incriada, da qual tudo deriva por sucessivas mutações e com possibilidades de se transformar nas formas conhecidas ou por enquanto ocultas, constitui sem dúvida o tal princípio que se confunde ou identifica na ideia de Deus, convergência totalizadora e absoluta.
Apesar da nossa reduzida capacidade humana, fácil se torna admitir certas realidades que nos transcendem, todavia seria tolo negá-las, apenas baseados na nossa limitação.
III) O direito à saúde.
Múltiplas definições se arriscam para caracterizar a saúde