Num trabalho sobre problemas de saúde tive ensejo de afirmar que a saúde é um direito de todo o homem, estado de equilíbrio da sua dinâmica em todos os planos.

Na perspectiva em que nos colocamos é lícito ao homem usar de todos os meios que respeitem os autênticos valores humanos, a procurar esse estado de equilíbrio. Mais direi que a saúde é um dom que Deus nos dá e teremos, como os outros dons, de o saber administrar criteriosamente e fazê-lo render em ordem ao plano transcendental do homem.

O termos direito à vida não é o mesmo que direito a dispormos da nossa vida.

O direito à saúde não é o mesmo que dispormos da nossa saúde.

E tantas vezes pecamos gravemente contra a economia da mesma, não respeitando ou forçando as leis naturais da fadiga, abusando, mais consciente ou menos conscientemente, não evitando a incidência de factores que a possam prejudicar.

E o estado de perfeito equilíbrio em toda a sua dinâmica, que caracteriza a saúde, depende de factores extrínsecos e intrínsecos.

As agressões do meio ambiente, físicas ou morais, são bem responsáveis por muita patologia física e moral.

Quais as preocupações das sociedades ditas civilizadas na defesa elementar da saúde, considerando estes factores ambienciais?

Eis um vasto campo de interesse para mobilizar as capacidades e as generosas vontades de tantos que se preocupam em proporcionar ao homem saúde e consequente felicidade!

Fácil se torna compreender, em linha apenas humana e material, a influência dos factores morais na sociedade de incidentes até na integridade física dos indivíduos.

O direito à saúde, como o direito à vida, constituem direitos individuais, e não colectivos.

O homem é um ser singular perfeitamente caracterizado e autónomo, muito embora a sua acção se projecte na sociedade e tenha fortes implicações na mesma, o que não confere a esta o direito de exigir a um membro sadio como de um enfermo o sacrifício de algum órgão Esta opinião de Pio XII é citada por Haring no seu tratado de teologia e moral.

O mesmo conceituado autor afirma que uma transplantação constitui para o dador uma automutilação, a qual em nenhuma hipótese pode ser objectivamente tida como livre de reparo moral.

Ainda segundo Haring, os teólogos chegam a pensar que a ablação de um órgão sadio de pessoa viva para o transplantar noutra pessoa viva não pode ser tida como irrestritamente lícita no estado actual da medicina.

A interpretação desta fenomenologia e as incidências destes problemas criam fortes dúvidas nos espíritos conscientes e honestos e as hesitações sucedem-se.

IV) As transplantações e a personalidade.

Conhecida a leucotomia de Egas Moniz, surge-nos a interrogação de saber até que ponto é lícito alterar a personalidade dentro de uma ética médica com a incidência moral que determina? O problema da responsabilidade do indivíduo modifica-se ou situa-se noutra perspectiva.

Se temos de considerar os problemas de alteração de personalidade do dador especificados no texto em discussão, é lógico que, apesar de todas as medidas restritivas baseadas em conceitos morais, eles possam ser insuficientes no momento de um eventual e futuro alargamento ou modificação na interpretação de conceitos morais e dos bons costumes.

Desse modo, as implicações com a personalidade do receptor podem alcançar uma gravidade excepcional Claro está que não me refiro aos casos de vida ou de morte.

V) As transplantações de tecidos e órgãos no momento actual da ciência ainda carecem de sofrer uma evolução técnica apreciável para humanamente poderem ser consideradas seguras dentro da finalidade que se propõe.

Sabemos que, apesar dos êxitos alcançados, há ainda graves e difíceis problemas de imunologia, problemas de rejeição de tecidos que podem inutilizar os esforços despendidos e, o que é pior, os sacrifícios de mutilações ocasionados.

Logicamente se deverá desejar e tentar o aperfe içoamento das técnicas, a fim de que, com um grau de falibilidade semelhante às vulgares intervenções cirúrgicas, possamos encarar o êxito com optimismo, mais alicerçado em realidades.

A dor é um mal que ameaça todos os homens indistintamente e temos obrigação de lutar contra ela, por justiça e caridade, e não recolhermo-nos em atitude de passiva resignação.

Constitui missão do médico lutar contra a dor e contra a doença, curando, se possível. Mesmo quando um doente está condenado a morrer por falta ou ineficácia de meios terapêuticos de que dispomos, a missão do médico é, mesmo assim, procurar minorar a dor e lutar para prolongar a vida, ainda quando esta caminha para a própria extinção.

Não temos o direito de ajudar a morrer, antes o dever de ajudar a lutar pela vida.

Penso que a experimentação das transplantações nos animais ainda não forneceu todos os dados necessários e possíveis. Os segredos da imunologia ainda não foram suficientemente desvendados e os problemas da rejeição seguramente dominados. Assim, defendamos o homem para não constituir cobaia em holocausto à ciência.

Concluindo

Todas estas considerações conduzem-me a certas dúvidas, criando autênticos problemas de consciência, que, longe de atitudes pendulares na oscilação, significam consciência, ponderação, honestidade, preocupação com os autênticos valores que dignificam o homem.

Quando todo o mundo consciente se interroga e a controvérsia mobiliza os espíritos, não sei como encarar a audácia de «certezas» que não queria identificar com a inconsciência do arrojo.

Quando reputados autores, especialistas notáveis nos vários ramos incidentes nesta matéria, não escondem e até nos manifestam fortes dúvidas, não seria legítimo nós, mais modestos em conhecimentos, sofremos as mesmas interrogações?

Não nos compete modificar o Mundo, apenas temos obrigação de dar o nosso testemunho de autenticidade e verdade que caiba na nossa coerência.

Não somos responsáveis por aquilo que nos ultraassa.