Tenho dúvidas sobre qual a melhor solução, se a mais restritiva do texto do Governo, se a mais alargada no texto da Câmara Corporativa. E as minhas dúvidas acentuam-se com o estudo mais aprofundado, exautivo mesmo, a que procedi, sacrificando a saúde e o descanso para consultar especialistas na matéria.

As situações clínicas em que não esteja em causa a vida, por directamente ameaçada, situadas na diferença de critérios entre os dois textos, da Câmara Corporativa e do Governo, são relativamente poucas, e mesmo assim acredito que possam exercer acção destrutiva, até por impossibilidade de controle na aplicação das disposições legais de punição às infracções de mercantilismo.

Deste modo não tenho qualquer inibição em relação à posição assumida nas comissões, sem a reflexão e o estudo mais detalhado posteriormente efectuado, por virtude justamente das discussões verificadas.

Todos os trabalhos individuais, colectivos adentro das comissões ou o debate no plenário, devem proporcionar-nos um esclarecimento, completo quanto possível, com uma única finalidade - a decisão poder ser a mais consciente possível.

Outro ponto que não quero deixar de frisar é justamente o que respeita à liberdade de decisão do dador.

Naturalmente que o mais repugnante para mim seria o indivíduo não ter capacidade de governar a sua pessoa, por sofrer de anomalia psíquica, surdez, mudez ou cegueira, e admitir-se o consentimento poder ser transferido para os pais, resumindo e acentuando, poder ser transferido Considero o maior atentado contra os direitos da pessoa humana esta posição, pois seria «coisificar» seres humanos indefesos, que, não se podendo defender, dada a sua inferioridade psíquica, seriam mutilados.

E para terminar direi que continuo a confiar no homem e a esperar da ciência e a creditar na sua dignificação, esperando uma sociedade mais feliz por mais justa.

O conceito de felicidade é, contudo, variável de indivíduo para indivíduo. Não esqueço um exemplo profissional, passado com um colega, de um velho coronel, cego de ambos os olhos por doença incurável e dolorosa, e que após a enucleação bilateral reagia às palavras de conforto desse meu colega com estas precisas palavras. «Não se preocupe a procurar-me incutir resignação, porque não é necessário. Eu desde que não tenho dores estou bem e sinto-me feliz. Sou mais feliz agora do que quando tinha vista, porque agora sinto-me mais próximo de Deus e vivo mate para ele, enquanto que antes vivia mais disperso para o mundo exterior e para os outros ».

Esta visão da vida ajuda-nos certamente a elevarmo-nos acima de nós próprios.

Exemplos destes não são tão raros como possa parecer, em situações semelhantes ou parecidas.

Continuaremos, como cidadão e como médico, a apreciar vivamente todos os esforços para minorar o sofrimento, alegrando-nos com os progressos da ciência, na qual acredito.

Dou a minha aprovação na generalidade ao projecto de lei.

Mas não quero desta tribuna deixar de gritar o meu mais veemente protesto contra o paradoxo de se procurar, por um lado, minorar o sofrimento do nosso semelhante, solicitando da ciência a ajuda contra a doença e contra a morte, e por outro lado, os mesmos arautos da liberdade e da felicidade dos povos preconizarem medidas contrárias ao homem, à sua dignidade e à sua vida!

Horroriza-me que- o mundo viva em guerra permanente e se matem milhares ou milhões de pessoas nessa circunstância!

Indigna-me que morram milhões de seres humanos anualmente de fome no mundo em várias latitudes geográficas.

É indecoroso que se legalize em certos países a matança dos inocentes e assim se justifiquem milhões de abortos no mundo, em nome da felicidade, com que rotularam o egoísmo!

Há países onde os médicos, deformados pela legalização do crime, auferem além do seu vencimento normal um tanto mais por cada aborto praticado ... Terrível situação a do médico que ganha dinheiro, como um dizia, a matar gente, confidenciando que era com esse dinheiro de sangue que podia trocar de carro de vez em quando! ...

Vejo na minha frente o espectáculo degradante e repugnante de países, ditos civilizados, onde se praticam experiências, rotuladas de científicas, em fetos humanos vivos, factos esses denunciados num parlamento e que motivaram o encerramento da clínica em causa.

Vejo o arrepiante cortejo de fetos abortados, alguns já viáveis de sete meses, gritando como se tivessem consciência do que lhes ia suceder ao serem conduzidos para a estufa crematória do hospital! E em países denominados de evoluídos ou civilizados ..

E interrogamo-nos sobre se, mesmo abstraindo o factor confessional, mas situando-nos meramente num plano humano, a humanidade terá o direito de continuar o caminho degradante de tamanha monstruosidade!

Ecoa no meu espírito o grito de Paulo VI em Fátima. «Homens, sede Homens!»

Vozes: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Srs. Deputados. Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será amanhã à hora regimental, tendo como ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei sobre transplantações de tecidos e órgãos de pessoas vivas.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Aníbal de Oliveira.

António Calapez Gomes Garcia.

António de Sousa Vadre Castelino e Alvim.

Augusto Leite de Faria e Costa.

Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral

Filipe José Freire Themudo Barata.

Henrique Callapez Silva Martins.

Henrique dos Santos Tenreiro

Humberto Cardoso de Carvalho.

João Duarte de Oliveira.

Joffre Pereira dos Santos van Dunem.