É tantas vezes no ajudar a morrer, mais que no não deixar morrer, que a medicina verdadeiramente se realiza e se sublima.

O Sr. Leite de Faria: - Muito bem!

O Orador: - A morte é a certeza mais certa que, desde a concepção, o homem pode ter, mau grado a fome de eternidade de que todos somos possuídos.

Consentir no transplante de órgãos ou tecidos só para que se não morra hoje mas antes amanhã e não permitir que se transplantem para que o amanhã seja saudável e feliz é atitude que respeito mas não entendo, nem aceito.

O Sr. Leite de Faria: - Muito bem!

O Orador: - Não concebo por isso que na matéria que agora nos ocupa só seja lícito salvar vidas e seja marcado com o ferrete da ilicitude, diminuir sofrimentos, reparar defeitos, melhorar funções, restituir saúde.

O Sr. Mendonça e Moura: - Muito bem!

O Orador: - Só «apertadas interpretações de uma ultrapassada concepção da intangibilidade absoluta da pessoa humana» podem ver afectada a personalidade de quem, com fim exclusivamente terapêutico e de modo rigorosamente altruísta, dê um pouco da sua pele, um rim ou a córnea de um olho atingido de cegueira incurável por atrofia do nervo óptico.

Não vejo também como se possam abrir precedentes graves com as regras apertadas que a proposta de lei prevê e que o Governo, ao regulamentar, não deixará de ter em conta.

Não, Sr. Presidente, esta lei para mim não teria sentido se nos deixasse amarrados à condição de a transplantação ser necessária à sobrevivência do receptor.

Mas se em relação a esta condição sou mais aberto e perfilho a redacção da Câmara Corporativa, sou, em contrapartida, mais fechado pelo que respeita ao artigo 3.º da proposta de lei.

Não aceito os 16 anos nem os 18 anos que a Câmara Corporativa propõe como idade mínima para se ser dador.

O Sr. Calado da Mala: - Muito bem!

O Orador: - Em meu entender, e não estou sozinho, se temos de marcar uma idade mínima, a partir da qual o indivíduo possa dispor do seu corpo para os fins em apreço, eu decido-me, sem hesitação, pelos 21 anos.

E faço-o, pelo menos, pelas três razões fundamentais seguintes:

1.ª Não considero que antes dessa idade o comum das pessoas esteja suficientemente amadurecido para conscientemente avaliar todos os riscos que corre e, facilmente influenciável, se deixe levar pelo clima de emoção, sempre presente e em nada despiciendo;

2.ª Porque aos 16 ou aos 18 anos se é muito mais vulnerável, frente a certas doenças, que aos 21, e seria muito lamentável o aparecimento de, por exemplo, uma tuberculose renal ou uma nefrite grave no rim restante;

3.ª Porque em todos os casos me repugna, quanto ao dador, o suprimento da vontade. A doação de um órgão ou tecido deve ser pessoal, livre e totalmente consciente. A não ser assim, que seria da «realização altruísta do dador», de que fala o parecer da Câmara Corporativa?

Aceitar o suprimento é que me parece, a mim, atentatório da personalidade e da dignidade humanas.

A Sr.ª D. Josefina Pinto Marvão: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Foi demasiado breve e descolorida a minha intervenção nesta matéria, aliás sobeja e profundamente analisada pela Câmara Corporativa, pelas Comissões e pelos Srs. Deputados que antes de mim subiram a esta tribuna.

Mais do que trazer à Câmara qualquer coisa de novo, eu pretendi marcar a minha posição em relação às partes mais controvertidas da proposta de lei.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Graciano Aires: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por deformação ou formação profissional, tendo a ser breve, simples e claro, quanto possível, na exposição, o que, reconheço, nem sempre é fácil. É mesmo difícil se o assunto reveste, como o presente, extraordinários melindre e complexidade.

É assim, entre receoso e respeitoso, que abordo o problema das transplantações de órgãos e tecidos entre pessoas vivas, sem divagações impertinentes, mas também, confesso, sem a desejável profundidade.

Foi aqui referido já que o direito existe para o homem; está ao serviço do homem, ao serviço da pessoa e pessoa em sociedade.

homem surge, assim, como centro de irradiação e conjugação, portador, como é, de uma dignidade peculiar resultante da sua natureza inteligente e livre; e porque igual em todos esta dignidade fundamental, há que assegurá-la, defendê-la e respeitá-la em cada um.

A esta afirmação de princípio procura o direito dar resposta, consagrando, nomeadamente, os chamados direitos de personalidade que se classificam de direitos absolutos, tais como o direito à vida e integridade física, o direito à liberdade física e psicológica, o direito à honra; e até deparamos no plano internacional com declarações de igual conteúdo, tendentes a pautar a conduta dos Estados (por todas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem).

Tais direitos, dada a sua natureza, são irrenunciáveis; dispor de qualquer desses valores que o direito reconhece e consagra seria, além de contranatureza, o retrocesso à barbárie, ao império da animalidade, à «coisificação» ou «instrumentalização» do homem. < p> Mas o carácter absoluto destes direitos frente a tudo o mais, incorporando valores a respeitar e a realizar, sofre ou pode sofrer limitações quando se afrontam ou confrontam valores da mesma ou semelhante natureza, quer tal confrontação surja na titularidade da mesma pessoa, centro referenciador único dos valores em choque, quer surja, tal confrontação, e num plano não de necessidade, mas de específica voluntariedade, entre pessoas diferentes.