Para ilustrar o primeiro tipo de confrontação, teríamos o caso do paciente que se sujeita à agressão de uma intervenção cirúrgica para assegurar ou readquirir a saúde ameaçada ou perdida ou garantir até a sua própria sobrevivência.

Para o segundo tipo de confrontação - tendo por suporte pessoas diferentes -, vale o caso específico, que nos ocupa agora, da transplantação de órgãos e tecidos entre pessoas vivas.

Limitando a análise a este segundo tipo de confrontação, e no reconhecimento de que estamos no plano das agressões a valores fundamentais, teremos de exigir:

Que se assegure um encontro livre de vontades entre o que dá e o que recebe;

Que se proponha um critério, tanto quanto possível seguro, para a determinação dos valores em confronto e sua subordinação relativa, assegurando-se, além do mais, o menor sacrifício e o máximo benefício;

Que se atente, por fim, à regularidade formal e substancial dos meios para se atingir os fins propostos.

Quanto à livre manifestação de vontades há que rodeá-las das maiores cautelas, especialmente a do dador, único que, neste tipo de confrontação e por motivação que o transcende, consente na agressão a um direito (fundamental de que é titular.

Este consentimento terá de ser manifestação de liberdade humana, realização de um ideal de solidariedade ou caridade (no seu mais profundo sentido) conscientemente formulado ou vivido, evitando-se, tanto quanto possível, a tendência para um consentimento com tintas de coacção moral: clima emocional, ligações afectivas, hipersensibilidade doentia ou deficiente valoração.

Quanto ao critério de determinação dos valores e sua subordinação relativa, parece não haver discrepâncias quanto à exigência de o dador não correr risco anormal de perecer ou de lhe ser causada sensível diminuição física ou de ser afectada a sua personalidade moral; mas quanto à finalidade da transplantação, agora referenciada à pessoa do receptor, exige m uns, como condição indispensável, que se destine a assegurar a sua própria sobrevivência, enquanto outros propunham ser suficiente revestir-se de «indiscutível e fundamental valor terapêutico» para o receptor.

Note-se que a primeira das opções - assegurar a sobrevivência -, apesar de mais radical, não é, por si só, creio bem, critério seguro e insofismável de ilici-tude.

Será lícita a transplantação para que a sobrevivência aconteça num plano de vida simplesmente vegetativa ou mesmo sensitiva?

E de qualquer forma, mesmo que de vida plenamente humana se trate, não teremos de dar larga margem de crédito aos intervenientes no processo de que resulta concluir-se ser ou não ser lícita a transplantação?

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Leite de Faria: - Muito bem!

O Orador: - Por último, a licitude do fim tem de estar presente e respeitar-se em igual licitude dos meios; e daí que os mesmos juízos de valor assegurem a regularidade de todos os termos do processo, quer de forma, quer de conteúdo, tendo em vista o comportamento dos intervenientes e a especial qualificação de alguns deles, a expressão formal dos actos e a idoneidade e adequado apetrechamento material e humano dos estabelecimentos onde devam ter lugar as transplantações.

A proposta de lei em discussão, segundo a fórmula perfilhada pelas Comissões de Justiça e de Trabalho, Previdência, Saúde e Assistência, reflecte bem a complexidade e melindre das situações nela previstas e para as mesmas consagra um condicionalismo suficientemente preciso e cauteloso que assegura, a par do respeito pela dignidade humana, uma real, desejável e oportuna funcionalidade.

E porque assim, e no entendimento e expressão que aquelas Comissões lhe deram, dou a minha aprovação na generalidade à proposta de lei em apreço.

Vozes: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Srs. Deputados: Este debate continuará na próxima sessão, devendo concluir-se a discussão na generalidade e iniciar-se, indo até onde possa ser, a discussão e votação na especialidade.

A noção de quanto todos nós gostamos de passar os dias que antecedem o domingo de Páscoa com as nossas famílias e a verificação de não urgência de reter VV. Ex.ªs contra esse gosto leva-me a marcar a próxima sessão da Assembleia Nacional para terça-feira 16 do corrente mês. Nesse dia haverá sessão à hora regimental, tendo como ordem do dia a conclusão da discussão na generalidade da proposta de lei relativa a transplantações de tecidos ou órgãos de pessoas vivas e o início da discussão e votação na especialidade.

Aviso VV. Ex.ªs de que a seguir a esta matéria deveremos ocupar-nos do aviso prévio sobre o plano estadual de habitação e urbanismo para os Estados de Angola e Moçambique, que darei para ordem do dia imediatamente depois.

Também informo VV. Ex.ªs de que a Imprensa Nacional está a ultimar a impressão dos pareceres sobre a Conta Geral do Estado (metrópole), relativa ao ano de 1972, e sobre as contas de gerência e exercício das províncias ultramarinas, relativas a esse mesmo ano. Os volumes serão enviados a VV. Ex.ªs pelas vias mais rápidas, logo que sejam recebidos.