çaram por suscitar objecções e reservas, que hoje não se compreenderiam em face do avanço da ciência e da técnica, os outros hão-de procurar cooperar, com espírito aberto, na resolução das importantes questões jurídicas que se ligam ao exercício da sua nobre actividade.

Os Profs Jean Hanrburger e Charles Dubost, em conhecido artigo que publicaram após as primeiras transplantações de corações, asseveraram que, sem matéria tão difícil, nenhuma discussão moral é possível se não for baseada num conhecimento sério e exacto dos dados técnicos do problema».

Não pode contestar-se esta afirmação, desde que com ela não pretenda significar-se que a moral se transforma de acordo com a evolução da técnica, porque, a ser assim, a origem das normas éticas estaria na ciência, o que seria o mesmo que confundir a ciência com a moral

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há que assegurar aos cientistas a necessária liberdade de acção, mas não podemos cair no exagero de um autor, citado pelo Prof Jean Lenègre, em artigo publicado em Lê Monde, de 4 de Dezembro de 1968, ao considerar que so direito de tentar e de experimentar é para a medicina uma liberdade fundamental», como se não houvesse limites morais e jurídicos a respeitar

Razão têm aqueles que pensam que deve evitar chegar-se à deformada conclusão de que, do ponto de vista jurídico, «a transplantação não passa de um acto médico, de um método terapêutico, e que, por isso, o direito deve. exigir simplesmente que ela seja praticada com todo o cuidado e em conformidade com dados adquiridos pela ciência»

Mesmo colocando-nos neste plano restrito do problema, que é bem mais vasto e elevado, há que dar razão ao Prof Grossen quando alude às inúmeras dificuldades que as conquistas científicas ainda não lograram afastar e à dolorosa proporção de mêxitos registados até agora, a ponto de, no fundo, se poder dizer que as transplantações, muitas vezes, têm representado mais uma «experiência» do que um acto terapêutico, o que o leva, avisadamente, a formular esta observação:

O facto constitui um problema inquietante, porque se o acto médico é de certa maneira juridicamente privilegiado, a experimentação só pode ser admitida se respeitar estritas condições

E acrescenta ainda que certos sábios temem que se ponham limitações a tentativas que reputam legítimas, e de tal maneira que, no II Congresso Internacional de Moral Médica, o Prof. J Gosset, da Faculdade de Meditem» de Paris, não hesitou em declarar

Se o doente pode satisfazer-se com os cuidados com que é acompanhado, o nosso dever é curá-lo sempre que possível e até para além dos dados adquiridos pela ciência.

Como se vê, todas as cautelas são poucas para, no estudo e resolução de problemas fundamentais, como este, se evitarem desvirtuamentos derivados de uma

formação profiss ional exacerbada, que bem se compreende, mas que não pode aceitar-se sem graves riscos para a personalidade humana

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um outro professor, célebre cirurgião francês, admite ainda que «a aceitação de um risco terapêutico elevado, numa situação que, se não tratada, pudesse conduzir à morte, é uma- posição razoável»

Mas então a transplantação de um órgão vital é necessariamente legítima, do ponto de vista jurídico, sempre que feita num doente que só possa ser salvo através dessa «experiência terapêutica»?

Respondo como o Prof Grossen, que estou a seguir, por me parecer criterioso o seu pensamento e porque, neste melindrosíssimo assunto, entendi dever aporar-me em depoimentos insuspeitos

Na realidade seria insuficiente esta única condição porque, de contrário, intervenções absolutamente indesejáveis encontrar-se-iam legitimadas, só por constituírem últimas tentativas. Ora, a preocupação de preservar a dignidade da pessoa humana não consente se aceitem operações que não ofereçam aceitáveis ou razoáveis condições de êxito, pelo que, nas transplantações de órgãos vitais, importa cumular as exigências relativas aos métodos terapêuticos consagrados e as que respeitam à experimentação, sendo ainda preciso, ao mesmo tempo

Constatar o carácter subsidiário das transplantações de órgãos vitais e limitar a sua indicação aos casos em que qualquer outro meio não permita salvar o paciente, e

Exigir que essas transplantações sejam sempre efectuadas nas condições apropriadas capazes de garantir o emprego dos mais desenvolvidos recursos científicos

Aliás, isto não representa senão a aplicação, no caso particular das transplantações, de um princípio de abstenção que faz parte do direito médico.

Ora, no artigo 1.º da proposta de lei, quando visto à luz do que se preconiza no artigo 2º da mesma proposta, respeitam-se, em boa medida, estas condições essenciais

Se, portanto, como o Prof Grossen, penso que não são reprováveis certos tipos de transplantações e que não convém estabelecer condições que equivalham à sua prática e generalizada condenação, penso também que não pode renunciar-se à definição de normas claras e prudentes que, disciplinando a matéria, evitem, em larga medida, a possibilidade de surgirem graves e irremediáveis situações, como aquelas que, por certo, se verificarão se a Assembleia Nacional, na lei que ora vai votar, não tomar na devida consideração todos os legítimos e delicadíssimos interesses em presença e todos os valores essenciais que estão em causa.

O Sr. Ricardo Horta: -Muito bem!

O Orador: - Razão tinha o Prof Jean Lenègre ao propor, há poucos anos, que se constituíssem comissões nacionais e internacionais para, com a sua vigilante