Na opinião dos últimos, a licitude desta depende de ser «indiscutível» e «fundamental» o seu valor terapêutico para o receptor.

Como é óbvio, é mais ampla a formulação por esta corrente preconizada, que assim abrangerá, além do mais que o «indiscutível» e «fundamental» valor terapêutico pretende acautelar, a «hipótese extrema da sobrevivência» do receptor. Dir-se-á que neste último caso o valor terapêutico atingirá no superlativo o grau de «indiscutível» e de «fundamental», designadamente quando a sobrevivência equivaler a uma vida condigna.

Tal como o direito, a ciência tem de se colocar ao serviço do homem e do progresso da humanidade A vida é, porém, espontânea e impetuosa. Não pede licença à lei para se afirmar em milhões e milhões de seres, indiferente às técnicas e às convenções com que o homem pretende disciplinar a própria Natureza.

É nesta visão dinâmica da vida que me parece dever buscar-se decisivo apoio para a tese que defendo Gali leu, para escapar à fogueira da Inquisição, teve de renegar a própria ciência, só porque no seu tempo a lei não permitia que a Terra girasse em torno do Sol.

Sr. Presidente e Srs. Deputados. Não vamos transformar esta Assembleia em Santa Inquisição, a entravar permanentemente a marcha da ciência, limitando assim a própria felicidade do homem.

Tão pertinente é este reparo que não hesitaram os ilustres defensores do texto da proposta do Governo - cuja brilhante oratória poderá ter seduzido alguns espíritos menos atentos- em preconizar uma espécie de sistemática dúvida na ciência como única forma de se não arvorar esta em fatídico perigo de morte . .

Pretendesse que nos tempos de hoje sobre os cientistas pese o dramático exemplo de Galileu? Deseja-se deferir a esta Assembleia, no domínio da investigação científica e no que se prenda com a integridade do homem, o papel de sucessora do Santo Ofício?

De forma nenhuma.

Espontânea e impetuosa, como a vida, a ciência não abranda a sua marcha. Que a lei lhe estugue o passo, compreende-se. Que lho embarace, é regressar ao mundo das trevas, desviando do seu curso natural a seiva da própria vida.

Eis, em suma, a razão pela qual entendo que deverá ser adoptado em relação ao artigo 2.º o texto pela Câmara Corporativa sugerido e que o relatório conjunto das Comissões transformou era proposta.

O Sr. Moreira Pires: - O artigo 2.º do texto em discussão tem manifestamente apaixonado os espíritos, e a emoção não deve perturbar o raciocínio.

Sintetizando, na tese do Governo só se podem efectuar transplantações em caso de sobrevivência do receptor, enquanto na da Câmara Corporativa isso se pode verificar em casos de indiscutível e fundamental valor terapêutico.

Como foi dito na discussão na generalidade, este decreto circunscreve-se quase exclusivamente ao rim.

Ora, a transplantação renal só se executa em casos de vida ou de morte.

Gostaria que os colegas médicos que tomam parte nesta Assembleia elucidassem a Câmara, especialmente os que não são médicos (e até destes os que não têm a pretensão de saber medicina), dos casos em que se possa proceder a transplantações, exceptuando a renal, e que não seja por necessidade de sobrevivência.

Os reduzidos casos de indiscutível valor terapêutico quais são na prática? Não estaremos a esgrimir com moinhos de vento? Valerá a pena correr o risco de abrir a legislação por tão pouco? Segundo o parecer da Câmara Corporativa de 1963, em relação aos direitos da personalidade, diz.

E importa reconhecer-se que todas as limitações inconsideradas dessa defesa, toda a brecha aberta nesse reduto, sem as devidas precauções, têm sempre grande probabilidade de contribuir para desorientar as ideias e para enfraquecer as garantias da personalidade.

Entendo que as leis se modificam à medida das necessidades, e mais vale uma atitude prudente do que correr o risco de alienar certos valores.

Comparando os dois pareceres da Câmara Corporativa, o de 1963 e o de agora, só por excessiva generosidade se poderá compreender o elogio do segundo.

Em resumo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só deve ser lícito efectuar transplantações no vivo quando haja uma probabilidade quase certa de êxito e não se deve lá chegar senão através do domínio dos problemas versados e conseguidos nos animais.

São gravíssimas as incidências desta problemática e não podem sustentar-se posições por mera teimosia intelectual ou de prestígio pessoal ou razões de ordem afectiva, até daqueles que não sendo médicos possam transparecer alguma autoridade na matéria.

A verdadeira ciência é coisa muito séria para se compadecer com a demagogia fácil à procura de popularidade que uma montagem jornalística possa favorecer, e só desprestigia os meios de informação.

E peço licença para lhes ler uma pequena notícia que aqui há uns anos, dez ou doze, veio na primeira página de um dos jornais diários da nossa imprensa da capital.

Um olho de macaco enxertado com êxito numa mulher cega há três anos

Banguecoque, 24 - Um olho de gibão (macaco) foi enxertado numa mulher, com êxito. A operação realizou-se, no mês passado, no hospital de Sinrai, desta cidade, na pessoa da