tosaimente e com a mais viva simpatia e admiração cumprimento e saúdo -, que me consentisse recordar, em pequeno intróito, a confrontação dos vários humanismos no seio da Comissão dos Direitos do Homem, criada nas Nações Unidas em 1947.
Dessa Comissão, presidida pela Sra. Roosevelt, nasceu a chamada «Declaração Universal dos Direitos do Homem».
O debate nesse aberto e largo palco do Mundo foi muito vivo, mas ali ficaram praticamente vencidos todos quanto nele se comprometeram - o humanismo tradicional do Ocidente, o humanismo marxista e o humanismo chinês.
O homem, esse, creio que ficou mais desamparado e mais inseguro.
A moral de compromisso, a moral permissiva, havia de dominar as votações, pois só essa moral poderia vingar na espectacular divisão ideológica do pós-guerra.
Vejamos o essencial do debate.
O inundo socialista fez-se campeão dos «direitos sociais», requerendo para a sua formulação inteira prioridade sobre as «liberdades individuais» - «liberdades cansadas», diziam os delegados russos e checos, «pelos excessos e injustiças de um liberalismo fora de moda».
Ao humanismo marxista pouco interessavam os direitos individuais, pois para ele «o Estado é a única protecção do indivíduo que, sem essa protecção, ficaria exposto ao azar e à insegurança».
«A independência do indivíduo em relação ao Estado é um luxo a que só o burguês se pode dar.».
«Na sociedade burguesa o capital é independente e pessoal, enquanto que um indivíduo que trabalha não tem nem independência nem personalidade».
E diziam mais: «Falar de personalidade humana é falar do burguês ou do proletariado burguês» - «Esta personalidade deve ser suprimida.».
O humanismo marxista reivindicava, portanto, prioritariamente «os direitos sociais» para libertar o proletariado e abrir caminho à era da socialização.
Por outro lado, o humanismo chinês, de que foi porta-voz o Dr. Chang, era mal compreendido pelo mundo ocidental.
A vida e a integridade física não têm o mesmo significado na civilização chinesa.
Ali é preciso, sobretudo, «guardar a face», expressão que corresponde a um sentido muito agudo da dignidade humana.
Em lugar de ser personalizada, a dignidade humana é exterior ao homem, devendo ele conformar-se na mesma dignidade, respeitando os seus deveres de homem.
Fala-se ali anais de deveres do que de direitos.
O homem chinês, animado da ambição de se manter fiel aquela dignidade, nunca procura assegurar a vida em detrimento da sua própria humanidade, aceita, pelo contrário, sacrificar a sua vida aos deveres de homem.
Com esta linguagem, muito próxima de Confúcio e muito distante da nossa, se retirou o Dr. Chang, sem ajudar a defender o direito à vida e a integridade física como expressão de uma pessoa singular, autónoma, indisponível, sacralizada pelo humanismo tradicional do Ocidente, em cuja imagem se há-de visionar a semelhança do Criador.
E, assim, o artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem sacrificou direitos fundamentais, não obstante a firme posição de alguns delegados que nunca puderam aceitar que se enunciasse um direito à vida sem falar «na integridade do corpo desde o momento da sua concepção e independentemente da sua condição física e mental».
Todos os esforços foram perdidos pela oposição da corrente permissiva, encarnada na delegada da Dinamarca, que sustentaria, vitoriosamente, o direito ao aborto e deixaria sem defesa válida os débeis, os loucos e os incuráveis.
O artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, votado na Assembleia Geral das Nações Unidas, ficaria redigido pelo seguinte modo equívoco e inseguro. «Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança da sua pessoa).
Por todo o debate vale o comentário de Charles Malik, delegado libanês e vigoroso defensor do humanismo tradicional do Ocidente, relativo à crise dos direitos do homem.
Esse comentário enco ntra-se arquivado no boletim das Nações Unidas de l de Julho de 1948, e reza assim.
«Na base de toda a discussão e de toda a decisão está a natureza e a origem dos direitos do homem».
A que título possui o homem esses direitos? São-lhe confiados pelo Estado ou pelas Nações Unidas? Ou são inerentes à sua natureza de modo que, sem eles, deixa simplesmente de ser um homem?
Se esses direitos provêm do Estado ou das Nações Unidas, é claro que podem ser conferidos hoje e retirados amanhã, sem que seja violado nenhum direito superior.
A questão que se põe é de saber se o Estado está submetido a um direito que lhe é superior, ao direito natural.
O sentido profundo da crise actual dos direitos do homem não advém das violações da última guerra; nem da falta de clamores para que seja estabelecida a sua protecção, nem também de as Nações Unidas terem descurado o assunto.
A verdadeira crise dos direitos do homem não está aí. Provém de o homem já não acreditar que possui direitos naturais imprescritíveis e inalienáveis.
Atendei ao modo como o homem moderno discute os seus direitos.
Tentai persuadi-lo de que possui direitos a título original e que os recebeu da sua própria natureza.
A simples nota de que é a natureza, a realidade, a verdade, uma ordem eterna das coisas que o nosso destino superior nos manda reconhecer e respeitar é capaz de o horrorizar.
Não compreenderá que os seus direitos possam ser encontrados ou definidos por esse caminho, há-de obtê-los do Governo ou das Nações Unidas.
Julgo que só assim poderá ser na actual situação do mundo na «última fase da evolução».
«Miserável e desamparado, vai mendigar os seus direitos ao mundo e, quando sabe que tal artigo foi votado na Comissão por 10 votos contra 8, fica contente, porque, finalmente, lhe foi concedido um direito.
Tendo perdido a fé, ou melhor, tendo aceitado cegamente que Deus deixasse de olhar por ele, procura em vão os seus direitos».