O Sr. Roboredo e Silva: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr Roboredo e Silva: - A sua argumentação tem realmente tido um impacte muito forte sobre a minha consciência, mas eu pergunto se a sua doutrina se aplica à transplantação de um pedaço de pele, de um pequeno osso ou de qualquer coisa do género, que não deixam de ser transplantações, mas que no fundo não tem nada com a sobrevivência. Por consequência, se for aprovada a redacção da proposta de lei do Governo, tais transplantações não são permitidas em casos em que a pessoa se não encontre à beira da morte, como sejam queimaduras, em que a pessoa esteja muito longe de estar em perigo de vida.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Parece, Sr. Deputado Roboredo e Silva, que realmente poder-se-ia aceitar a argumentação de V. Exa. No entanto, a pergunta é de resposta fácil Não há possibilidade, como frisei ainda ontem quando discutia o assunto com outros colegas, de transplantações de pele ou de osso que não sejam numa autotransplantação pegarem no indivíduo receptor.

Por conseguinte, não 'há a menor possibilidade de se conseguir que um indivíduo qualquer dê pele a um outro indivíduo lesado, pois tem que se procurar encontrar na pela do dador a quantidade suficiente para se cobrir a cicatriz devida a uma queimadura ou coisa do género.

Creio que dei a explicação necessária no sentido de que não é possível, no estado actual da ciência, conseguir tal objectivo.

O Sr. Roboredo e Silva: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Orador: - Se amanhã, em face de estudos imunológicos, isso se vier a conseguir, poder-se-á também obter pele e osso de cadáveres, conservá-los em boas condições para fazer os necessários enxertos sem ser necessário recorrer-se a um indivíduo vivo.

Sr. Presidente, eram estas as considerações que desejaria fazer, e peço desculpa pelos minutos que tomei à Câmara para transmitir a minha maneira de pensar.

O orador não reviu

O Sr Ricardo Horta: - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr. Presidente, em primeiro lugar quero solicitar de V. Exa., com a devida vénia e antes de entrar na análise do artigo 2.º e dos seus parágrafos, a autorização de me referir a duas expressões introdutórias que considero de interesse para o esclarecimento de tão palpitante problema Primeiro, foi o caso de terem vindo a esta Assembleia trabalhos, tanto na discussão na generalidade como já na especialidade, com matéria de tão transcendente cultura jurídica e científica, esgotando, praticamente, o que existe em doutrina de direito humanitário e em problemas médicos que se vinculam à questão em análise Dignifica, Sr Presidente, esta Assembleia tal procedimento. Segundo, é que tenho verificado, durante a discussão desta lei, certa perplexidade de alguns Srs. Deputados na opção entre a redacção da Câmara Corporativa e a do Governo, deste mesmo artigo 2.º.

Compreendo perfeitamente as suas hesitações, pois que o seu estado emocional em frente de uma proibição legal amanhã poderia ser impeditiva de eles próprios poderem socorrer uma pessoa de sua família ou as populações que representam, ao encontrarem tais dificuldades. Salienta-se nessas limitações o emprego de tecidos, tais como ossos, cartilagens, pele e tecidos do globo ocular.

Quanto a isto, eu desejo esclarecer os Exmos. Srs. Deputados. Dentro do meu critério, a lei em discussão não é mais que uma fase evolutiva daquelas que são expressas pelo Decreto n.º 45 683, de 25 de Abril de 1964, e da Lei n.º 1/70, de 20 de Fevereiro, em que ambas vêm dar as possibilidades de colheitas e de transferências de tecidos de cadáveres para aqueles que carecem destes elementos. Aqui se inserem, primordialmente, os ossos, a pela e a córnea. Mas, Srs. Deputados, neste campo os elementos retirados do cadáver antes ou depois de hofilizados têm a mesma aceitação e utilidade terapêutica que aqueles tirados de um indivíduo vivo.

Até agora não temos podido pensar em preferir um enxerto ósseo vindo de uma pessoa viva relativamente àquele que vem de um cadáver Um e outro não são empregados, pois em caso de necessidade usam os cientistas os auto-enxertos. É o próprio doente que, através da sua tíbia, do seu fémur ou dos seus ilíacos, fornece o pedaço do osso para ajudar a consolidação de outro seu próprio osso.

O que pode vir de fora, e isso fornecido pelo cadáver em estado científico de o poder dar, é uma porção de cartilagem, e a partir desta se há-de gerar o osso necessário. E quanto à pele? É evidente que tanto um familiar ou outro vivos não superam em termos terapêuticos a pele cedida pelo cadáver. Tanto uma como outra não passam de homo-enxertos e que servem para a fase aguda de uma situação grave, como, por exemplo, extensas queimaduras para tirar um enfermo do seu estado de choque e desequilíbrio irónico.

Passada esta situação, temos de recorrer aos auto-enxertos, quer dizer a pele fornecida pelo próprio d oente.

Todas estas fases terapêuticas obedecem a tempo e a regras que eu me dispenso de detalhar a VV. Exas. No entanto, como apontamento e até certo ponto de interesse curioso, é que, se for um irmão gémeo univitelino, o homo-enxerto funciona como um auto-enxerto.

Outra curiosidade, e visto até não haver explicação clarificada na ciência médica, é que os homo-enxertos pegam definitivamente, por vezes em certos cancerosos, em situações de uremia e em estados de doença das proteínas do sangue quando está interessada a sua flacção globulínica.

Muitas outras razões poderia evocar aqui para justificar que a pele do cadáver tem efeitos terapêuticos idênticos à da colheita dos indivíduos vivos.

Quanto aos enxertos da córnea, é indiscutível a equivalência quando esta é tirada do cadáver ou de um indivíduo vivo.

O Sr. Moreira Pires: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.