O Sr. Moreira Pires: - É apenas para um esclarecimento. Nesta Câmara há muitos Deputados que não são médicos e, no que respeita à minha especialidade - a dos olhos-, eu devo esclarecer que, na cedência de um olho de um pai a um filho, não há verdadeiramente transplantação de um órgão, visto que deste olho apenas é aproveitada a córnea Haveria, pois, uma mutilação indevida dos órgãos, para aproveitar uma pequena parte desses órgãos, portanto para aproveitar um bocado de tecido Com mais vantagem se obteria do cadáver.

Muito obrigado.

O interruptor não reviu

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado, pela colaboração que me deu na análise deste grave problema.

Parece-me que o que acabo de relatar é suficiente para que os Srs. Deputados, nesta matéria, fiquem tranquilos, pois o ordenamento destes actos está contemplado nas leis e nos decretos aprovados atrás referidos e em execução.

Mas no que os Srs. Deputados devem ser esclarecidos é que a matéria dos decretos e das leis, neste assunto, limita-se quase ao papel, pois não tem meios de execução Devemos, daqui, solicitar às entidades governamentais que materializem tal espírito e que ponham em execução, na sua plenitude, os textos legais aprovados.

Era este esclarecimento, Sr. Presidente, que eu queria dirigir aos Exmos. Colegas desta Assembleia.

Quanto ao problema das transplantações de órgãos ou tecidos de pessoas vivas e que se encontra contemplado no artigo 2.º e seus parágrafos, eu quero desde já declarar à Assembleia que perfilho a redacção do Governo, e não a da Câmara Corporativa. A proposta do Governo está clara e exprime-se numa síntese, podemos mesmo classificá-la de uma escalada terapêutica. É evidente que no tratamento de algumas graves situações clínicas a terapêutica faz-se, por vezes, em fases e sendo estas fases de alto valor terapêutico, com fundamento cientifico, sem abordar o órgão para a sua substituição ou mutilação.

Ora, quando não conseguimos por essas fases ou escaladas terapêuticas o objectivo clínico e correndo perigo a vida do doente, se pudermos, recorremos então ao enxerto do órgão afectado definitivamente.

Assim, seguimos um itinerário de forma que, cientificamente, se conclua que a transplantação é indispensável para a sobrevivência do doente. Para atingirmos tal prognóstico e tal decisão terapêutica muito trabalho pré-operatório é necessário investir. Muitos centros de investigação e de técnica devem ser utilizados Equipas médicas especializadas e equipas paramédicas se investem em tais es tudos Até centros internacionais se envolvem em tal trabalho, especialmente no que diz respeito ao fornecimento mútuo de órgãos seleccionados.

Inserem-se, neste estudo, princípios morais que terão de fazer parte dos princípios básicos da formação médica. O médico precisa de ter bondade, precisa de ter sensibilidade, para com a pessoa que sofre, mas também precisa, Sr. Presidente, para transformar a medicina numa coisa nobilíssima, aliar a estas qualidades aquilo que chamamos «actualização permanente da ciência médica». De outra forma, pode ser profundamente perigoso e prejudicial.

É nesta matéria que o médico precisa de ter todas as qualidades referidas e a redacção governamental dificulta o acesso a médicos que as não possuam.

Mas o problema grave que poderia ser aqui levantado, e que tem sido em muitos congressos internacionais, é o de saber-se a linha limite entre uma pessoa viva e uma pessoa morta. Os meios terapêuticos têm conseguido classificar os indivíduos em sobrevivência artificial e aqueles que, ainda que sem contacto com o mundo que os rodeia, mantêm uma semiologia de vida, de esperança de recuperação.

Ao primeiro grupo chamam-lhe as situações de «coma ultrapassado» com lesões nervosas irreversíveis e, por consequência, em morte real. É aqui que há-de ser a futura colheita dos órgãos essenciais para a transplantação, depois de terem sido vencidas as incompatibilidades imunobiológicas e a aceitação jurídica, por parte dos Srs Juristas, nesta matéria.

O Sr Leal de Oliveira: - Sr Presidente. Estamos a discutir a proposta de lei de transplantação de tecidos e órgãos de pessoas vivas Como não sou médico, fiquei um pouco perturbado por afirmações que se fizeram nesta Câmara de que as transplantações de tecidos na sua generalidade são impossíveis. Mas, todavia, agarrados ao parecer da Câmara Corporativa, ao título da presente proposta de lei e ao respectivo artigo 10 º, em que se pressupõe que é viável a transplantação de tecidos, nesse pressuposto, Sr Presidente, irei tecer algumas considerações.

Sr. Presidente Parecerá certamente estranho a V. Ex. a que não sendo eu formado em Ciências Médicas ou Jurídicas tenha solicitado a palavra para tecer reflexões sobre o artigo em discussão.

Mas fi-lo por que segui atentamente as discussões havidas no seio da Comissão de Trabalho, Previdência, Saúde e Assistência e também por que da aprovação da lei em análise poderá resultar muito de benéfico para a saúde da população portuguesa, para a saúde dos nossos soldados e até, quem sabe, para o bem-estar psicossomático de nós próprios e dos nossos entes queridos.

Se se aprovar, no entanto, o texto do artigo 2º segundo a proposta de lei, parece-me que no estado actual dos conhecimentos científicos sobre transplantações estas reduzir-se-iam unicamente aos órgãos duplos, concretamente ao caso da transplantação de um rim.

Efectivamente, a redacção do artigo 2.º da proposta de lei contempla somente o caso concreto da transplantação renal, uma vez que ali se afirma que a transplantação só será lícita quando a «mesma é necessária à sobrevivência do receptor».

Ficariam impossibilitadas, segundo aquela redacção e segundo o meu entender, outras situações onde as transplantações (de tecidos nomeadamente) se tornam necessárias pelo seu alto valor terapêutico, mas não para sobrevivência do receptor.

Note-se que as transplantações a que me refiro ocasionam, segundo me parece e na generalidade, muito menor risco para o dador e receptor que o ocasionado nas transplantações renais, que o artigo 2.º, segundo o Governo, abertamente aceita, não obstante se poder afirmar que após uma operação daquele tipo resulta sempre um doente em perigo de vida e um indivíduo são, dois diminuídos ..