está cego por uma lerão retiniana, por uma lesão do nervo óptico, por uma lesão dos centros cerebrais da visão, se a córnea deste indivíduo não poderá ser utilizada, desde que ele o queira, desde que ele o consinta, devidamente esclarecido, para dar vida a um outro indivíduo, que só não pode ver porque a sua córnea está inutilizada. Eu pergunto a VV. Exas. se nisto não há também um drama? Eu pergunto a VV. Exas. se estes casos não são também de considerar?

Mas como se define o problema - parece-nos fundamental-, como se define a sobrevivência? Quem vai definir o nível de sobrevivência? Quem é que faz a distinção, quem é que separa entre o nível de sobrevivência e o nível de indiscutível valor terapêutico em tantos ou alguns dos casos. Quem seria capaz de o fazer? Que elementos temos nós para decidir o momento exacto? O presidente Pompidou, que todos sabiam estar gravemente doente, tanto podia ter falecido às 9 horas e 20 minutos do dia não sei quantos de Abril como um mês depois, ou ter falecido uma hora antes. Não há ninguém que seja capaz hoje, no campo actual da ciência e da medicina, de decidir o momento exacto a partir do qual já não há sobrevivência possível Deve efectivamente falar-se de sobrevivência? E então, se falarmos de sobrevivência, valerá a pena efectivamente mantermos esse princípio da sobrevivência para sacrificarmos o funcionamento de um dador heróico, para assegurar a persistência de uma vida que não tem valor humano. Será vantajoso que a lei abra então a perspectiva de uma transplantação para um indivíduo que está numa vida meramente vegetativa? Essa vida continua a ser vida? Será isso mais útil, será isso mais digno, será isso mais compatível com a própria estrutura ética, com os fundamentos da nossa civilização.

Dentro de uma perspectiva cristã, dentro da perspectiva que enforma a nossa civilização, não há dúvida de que o próprio Papa, referindo-se à transplantação de córneas, deu o significado exacto , pois só autoriza que se faça a transplantação a partir de um dador esclarecido e salvaguardado pela eficiência técnica e pela responsabilidade moral e deontológica de um centro de que o Governo garantirá a idoneidade e que terá atrás de si a garantia da deontologia da classe médica, que, no fundo, não podemos pôr de parte inteiramente Eu falo com dificuldade em problema de classe, mas não posso deixar de pensar que esta deontologia até hoje tem salvaguardado os fundamentos essenciais da defesa da moral, da saúde e da vida dos doentes.

O Sr. Moreira Pires: - Se V. Exa. me permite, desejo dar apenas um pequeno esclarecimento.

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Moreira Pires: - Sinto-me particularmente grato por duas razões em primeiro lugar, pela minha profissão e, em segundo, por ter sido eu a levantar o problema na Comissão a transplantação de um olho que está cego por razões de retina ou do nervo óptico.

Evidentemente que existem dois aspectos fundamentais Ou se trata de uma autotransplantação, quer dizer, um doente que tem um olho cego por razões da córnea e outro devido a atrofia do nervo óptico pode tirar a córnea de um lado para pôr no outro, pois, tratando-se do mesmo indivíduo, não tem os mesmos problemas de ordem moral e ética que haveria tratando-se de outra pessoa Portanto, este problema não tem as implicações dos outros e, portanto, a pessoa perdeu um órgão em benefício de outro olho.

Mas se essa transplantação for para outra pessoa, temos possibilidades no cadáver de suprir a deficiência, sem haver a mutilação mesmo de um órgão que já não funcione, e eventualmente até em melhores condições, visto que as córneas de pessoas mais idosas oferecem melhores condições.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. a colaboração. Na realidade, eu servira-me de um exemplo que o colega trouxe à colação das comissões que me tinha parecido altamente significativo. É evidente que, sempre que possamos resolver os problemas através da transplantação de órgãos de cadáveres, o problema da transplantação entre vivos não se põe. Falamos do caso daquela escalada terapêutica, a que se referiu há momentos o Sr. Deputado Salazar Leite, em que nos encontramos perante a necessidade da transplantação entre vivos, e só então.

Mas, retomando o fio das minhas considerações, eu dizia que o problema crucial reside no seguinte aceite pacificamente a disponibilidade livre, esclarecida e voluntária em proveito de outrem, o uso legítimo de parte de si mesmo não coisifica parte alguma do homem, antes sublima o homem capaz de um sacrifício destes, para com isso dar vida ou restituir a plenitude da vida humana de outro homem.

Essa sua parcela continuará a viver na vida que ela assegurou ou no indivíduo que assim poderá usufruir de uma qualidade de vida digna de ser vivida.

Por que aceitamos, pergunto eu, e volto a repetir neste ponto, pela importância que me parece ter, o princípio da relativa disponibilidade em favor de outrem em determinadas circunstâncias e pretender fechar essa mesma disponibilidade, limitá-la a casos de coerência que nem sempre poderemos considerar como dignos desse sacrifício - é o caso, por exemplo, que tem sido citado dos descerebrados -, por que não insistir em alargar um pouco mais esta possibilidade que a lei nos permitiria facultar se, na verdade, tivéssemos imunologistas e a ciência que talvez nos falte para levar a cabo tudo isto?

Por que não partimos então do princípio de que mais vale a lei constituir todo este progresso e esta dignificação da profissão médica neste salvar de vidas do que fecharmo-nos em problemas tão simples, tão limitados, que, a não ser assim, eu diria que a lei quase nada mais virá fazer do que legalizar aquilo que se tem feito, e que são as transplantações de rins, sem qualquer legislação que as autorizasse?

Esta é a minha maneira de ver, este é o meu ponto de vista Salvaguardadas todas as exigências de livre formação da vontade do dador, arredadas todas as hipóteses de substituição da vontade desse mesmo dador, arredados todos os riscos de carências, eu voto confiadamente a proposta que as comissões aprovaram, certo de que, na verdade, a lei que nos ocupa só assim corresponderá às aspirações dos tempos, às