Meus senhores, peço desculpa de ter apenas exposto dúvidas. Julgo que terei ido ao encontro de dúvidas que outros colegas meus terão sentido e continuarão a sentir. Em qualquer caso, pretendi contribuir com o que estava ao meu alcance. Reparando o que poderia vir a ser errado como argumento de baixa política. Apontando as incertezas de ordem científica que aqui surgiram e que tornam prudente acautelar o futuro, assinalando meios descabidos na ocasião.

Por tudo, sinto-me inclinado - apenas inclinado, pelo que desde já concebo posições contrárias - para a fórmula da Câmara Corporativa e da Comissão. Mas que o resultado da votação não signifique mais do que em concreto o Direito visa proteger.

O Sr. Leite de Faria: - Numa proposta de diploma legal que pré ende também ser um todo, é evidente que este aspecto é fundamental, visto que, por exemplo, problemas há que podem aqui equacionar-se e que, porventura, suscitam alguma emotividade do ponto de vasta do dador, designadamente em relação à situação do dador, que o conjunto e a economia do diploma pretendem que seja, acima de tudo, o mais esclarecido possível O dador não é expropriado para dar coisa nenhuma, não se lhe pretende arrancar coisa nenhuma. O dador dá, se assim o entende a sua consciência, e é em plena e absoluta liberdade que o deve fazer. Isto é fundamental que se tenha presente, porque eu já ouvi aqui - e isso despertou necessariamente a minha reacção, reacção construtiva, é evidente- argumentações de tal ordem que até parece que estamos a discutir na especialidade uma lei que ainda não tenha sido, como foi, ontem, votada na generalidade e aprovada com unanimidade pela Câmara.

Este aspecto é fundamental que se não perca de vista.

É evidente, isso sim, que entre a fórmula constante do texto da proposta e a fórmula sugerida pela Câmara Corporativa, que as Comissões chamaram a si, não existe apenas diferença de palavras, embora, no estado actual da ciência médica, pelo que aqui ouvi aos ilustres e distintos médicos que intervieram, o sentido e alcance de uma das fórmulas e o sentido e alcance da outra praticamente se equiparem.

Efectivamente, ao tratar-se de transplantação que revista o carácter de necessária para a sobrevivência do receptor ou de transplantação em relação à qual, do ponto de vista concreto, possa emitir-se o juízo de que ela assume proporções de indiscutível e fundamental valor terapêutico, poderá dizer-se que, na prática, será a mesma coisa.

Mas do ponto de vista do texto que defendo, «indiscutível» quer dizer, segundo o juízo da medicina, «tanto quanto possível seguro». É evidente que a medicina, ao emitir um juízo, não tem que se sujeitar a ser julgada Como ciência experimental que é, diz que, no caso concreto, porventura será indiscutível. «Indiscutível» é o juízo de probabilidade que a medicina emitirá como aconselhando a transplantação.

«Fundamental» quer dizer «indispensável». Numa palavra, estamos perante a necessidade de sobrevivência Já ouvi aqui dizer «sobrevivência em termos condignos». É evidente que não se pretende fazer viver ninguém na tal câmara de reanimação, pelo menos indefinidamente.

Mas, agora pergunto eu. A certeza de hoje será a certeza de amanhã?

Ainda há momentos um ilustre Deputado no uso da palavra punha este problema Eu suponho que, ao advogar o texto sugerido pela Câmara Corporativa e defendido pelas Comissões, estou a manifestar a maior confiança no futuro da medicina Aquilo que hoje praticamente se equivale, amanhã pode não se equivaler, isto como tese geral A medicina, como ciência experimental que é, progride e avança todos os dias Poderá ou não poderá amanhã estabelecer-se uma fronteira enorme entre estes dois conceitos o de «assegurar a sobrevivência» e o do «indiscutível e fundamental valor terapêutico»?

Ainda do ponto de vista do dador, e a deixarmo-nos impressionar pela sua situação psicológica, é ou não é elementar que o dador se impressionará muito mais e será mais coagido se se falar em termos e linguagem fria de sobrevivência, tendo presente o caso de um irmão, de um pai ou de um filho? É ou não muito mais grave pôr-se ao dador, para o esclarecer, o problema. «Ou dás esta parte do teu corpo ou o teu pai falecerá?».

Não. Sejamos realistas Não se está aqui a pretender salvo sempre o devido respeito, que triunfe esta ou aquela corrente biológica. Estamos a discutir, pretendendo evidentemente fazê-lo com a maior elevação de todos, um problema que, não deixando de ser um problema sério, também não é tão dramático como aqui tem sido apresentado.

Não havemos de confiar na medicina para que ela estabeleça as fronteiras entre a vida e a morte? Para que ela estabeleça as fronteiras entre a possibilidade de sobreviver condignamente, por forma a dizer esta transplantação é aconselhável na medida em que se mostra indiscutível e fundamental o seu valor terapêutico?

Afigura-se-me que, propondo este texto e para o caso, como espero, de ele vir a triunfar, estamos a propor, efectivamente, uma norma legal com um sentido e um alcance que, salvando a sobrevivência, acrescentará alguma coisa a todo o momento, e colocando-a ao serviço da medicina para que, por sua vez, esta a coloque ao serviço do homem.

Confiemos, portanto, nesta particular capacidade da ciência médica para descobrir todos os dias alguma coisa que ainda ontem porventura não seria julgada como susceptível de ser realizada.

Aderindo ao texto da proposta do Governo, pelo contrário, estamos a coarctar à própria medicina a possibilidade de, a todo o momento, acrescentar alguma coisa aos seus métodos por fornia a contribuir par a felicidade do homem.

O Sr. Salazar Leite: -V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr Salazar Leite: - Peço desculpa desta interrupção, mas ouvi algo aqui que não me agradou nada. Como é que nós, aceitando a proposta do Governo, estamos a coarctar as possibilidades da medicina? Antes pelo contrário Estamos, tanto quanto possível, a estimular para que se consiga algo no sentido que nós pretendemos, isto é, não haver necessidade nunca de recorrer às técnicas desta natureza.