O Orador: - Eu respondo ao Sr. Deputado Salazar Leite com muito gosto. Salvo o devido respeito, o que eu pretendo com isto é colocar o problema numa sede mais ampla Quer dizer, no estado em que vem a proposta do Governo, a medicina somente terá a possibilidade legal de aconselhar uma transplantação se ela for necessária à sobrevivência.

O Sr. Salazar Leite: - Dá-me licença mais uma vez?

O Orador: - Faz o obséquio.

O Sr. Salazar Leite: - Aqui já se fala de sobrevivência, o que é importante.

O Orador: - Mas era o que eu estava a dizer.

O Sr. Salazar Leite: - Digo isto porque eu já ouvi há pouco dizer que seria muito difícil falar neste assunto.

O Orador: - Mas eu não me aparto dele...

O Sr. Salazar Leite: - Dá-me licença? Eu não quero de maneira nenhuma sair das linhas absolutamente éticas da discussão O problema para mim põe-se da seguinte maneira se nós, de qualquer maneira, vamos aprovar a proposta apresentada pelas Comissões, vamos criar um problema moral gravíssimo, muitas vezes tremendo V. Exa. dá-me licença que eu leia aqui?

O Orador: - Faz o obséquio.

O Sr. Salazar Leite: - A sobrevivência do receptor - é o que diz a proposta do Governo. Diz a outra proposta, na alínea a), que ase reveste de indiscutível e fundamental valor terapêutico». Isto é, V. Exa. em qualquer altura em que não for aconselhável ao médico o fazer essa transplantação, o médico pode ser moralmente acusado de não ter tentado determinado meio terapêutico posto à sua disposição.

Em segundo lugar, o indivíduo que estava disposto a fazer uma cedência cria perante o receptor e perante o médico uma atitude moral que pode vir a afectá-lo. E V. Exa. vê, Sr Deputado Leite de Faria, que na alínea b) se fala até em ser «afectada a sua personalidade moral». Ora isto é que eu acho ainda mais inconcebível que se possa realmente dizer. Mas como é que se sabe qual é o estímulo que pode afectar a personalidade moral do indivíduo? Pode-se de alguma maneira prever? Tanto se pode afectar num sentido como noutro sentido, consoante a atitude que se tomar.

O interruptor não reviu.

O Orador: - Respondo muito rapidamente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Leite de Faria: V. Exa. esgotou o seu tempo regimental. Como sabe, para o uso da palavra, pela segunda vez, na especialidade, esse tempo é apenas de dez minutos, pelo que peço o favor de concluir as suas considerações o mais depressa possível.

O Orador: - Eu não estava a controlar o tempo. Mas vou terminar, se V. Exa. me permite, respondendo muito sumariamente ao Sr. Deputado Salazar Leite, dizendo-lhe que não estamos aqui a pensar facilitar o papel da medicina, nem a pensar dificultar-lho. É evidente que a medicina tem dificuldade em definir o momento exacto em que a transplantação é ou não é necessária à sobrevivência, mas tem que decidir se se trata ou não de uma transplantação de indiscutível e fundamental valor terapêutico.

Indiscutível no sentido de que a ciência médica o considera de resultados assegurados e fundamental no sentido de que é indispensável. Parece-me, portanto, que neste aspecto a situação do médico é sempre difícil e delicada, exactamente porque exige, essa é a sua função, que emita uni juízo, que naturalmente não será cómodo, mas que é indispensável para se acautelar a vida, a saúde e felicidade do nosso viver.

Por todas estas razões, afigura-se-me, sem compromisso ideológico de nenhuma espécie, que podemos votar qualquer texto, mas, pelas razões que estão já aqui suficientemente claras, eu mantenho que a proposta das Comissões é a mais consentânea, na medida em que deixa à ciência experimental da medicina aberto um campo que de contrário lhe fica fechado. De outra forma haveria a necessidade de esta Assembleia acompanhar dia a dia a evolução da ciência médica, para virmos aqui dar a nossa concordância à aplicação eventual dos seus processos.

O orador não reviu

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo. Lembro a VV. Exas que o tempo para o uso da palavra pela segunda vez na discussão na especialidade é de dez minutos.

O Sr. Veiga de Macedo: - Preferiria não acrescentar quaisquer palavras àquelas que há pouco proferi, mas pelo que venho ouvindo neste debate, penso ser meu dever prestar alguns esclarecimentos complementares, tanto mais que os portugueses costumam ser muito sensíveis às experiências e soluções estrangeiras.

Talvez por isso mesmo, a Câmara Corporativa procurou dar uma ideia geral do que se passa noutros países.

Penso, todavia, que não lhe foi possível prestar todos os esclarecimentos que pretenderia, o que não é para admirar, pois, neste domínio, escasseiam elementos de direito comparado.

De qualquer modo, pode concluir-se do que se contém no seu parecer que, lá fora, tem havido extremo cuidado no estabelecimento de normas sobre assunto tão complexo e tão controverso. Poucos são ainda os países que se decidiram, até agora, a estabelecer quaisquer normas reguladoras da matéria. A maioria, porém, ainda o não fez. Será que se trata de países atrasados, que, por espírito de rotina, não queiram acompanhar, neste campo, o ritmo do progresso? Penso que não. É de presumir que não tenham tomado até agora providências legislativas por julgarem que o problema ainda não se encontra suficientemente amadurecido para permitir uma solução verdadeiramente fundamentada. Preferem, assim, que a ciência e a técnica evoluam mais para poderem, em altura julgada mais propícia, regulamentar a matéria com mais