completo conhecimento de causa Mas mesmo os países que promulgaram leis relativas às transplantações têm sido muito prudentes e cautelosos.

A Câmara Corporativa alude, por exemplo, à Lei italiana de 26 de Junho de 1967, que apenas abrange a transplantação de rins entre pessoas vivas. Repare-se, todavia, nas precauções tomadas pelo legislador italiano, entre as quais são de salientar as que, em princípio, conduzem a que só se possa recorrer a um terceiro, como dador de rins, se não for possível escolher um dador de entre os pais, os filhos e os parentes em linha colateral do doente Na hipótese dê o dador não ser da família do doente, exige-se que a sua aptidão histológica seja atestada por um órgão médico colegial e que a decisão de autorização obtenha a confirmação de um juiz, com possibilidade de recurso para um tribunal supremo, em caso de denegação. Prevê-se ainda que o dador seja obrigatoriamente seguro contra os riscos da operação.

E em todos os casos exige-se ainda que os dadores sejam maiores. No entanto, convém elucidar, até porque a Câmara Corporativa o não faz, que é no artigo 5 do Código Civil italiano que se estabelecem as regras relativas às transplantações Esse preceito consagra a proibição dos actos de disposição do próprio corpo, quando a sua execução ocasiona uma diminuição permanente da integridade física ou quando se mostram contrários à ordem pública ou aos bons costumes Faço essa afirmação baseando-me no estudo do Prof. Gert Kummerow, Perfiles Jurídicos de los Transplantes en Seres Humanos, que constitui o n.º 4 da Colección Justitia et Jus, Sección Investigaciones, da Faculdade de Direito de Mérida (Venezuela).

Esta doutrina consta também do anteprojecto do Código Civil mexicano.

Como se vê, só são permitidos os actos de disposição que não causem dano «permanente» à integridade física, o que representa uma limitação efectiva muito grande, mas perfeitamente compreensível e aceitável, em face dos princípios e dos interesses em causa.

Não é outra a orientação da lei brasileira, como se infere do parecer da Câmara Corporativa. Mas o Prof. Gervásio Leite não deixa de vincar que a vontade do dador encontra grandes barreiras na lei, a ponto de sa manifestação de vontade de nada valer se o dador, dispondo-se a ceder o órgão, tecidos ou vísceras, o fizer de modo a ficar fortemente prejudicado nas suas várias actividades A lei, impedindo a mutilação ou o prejuízo grave para a saúde do disponente, restringe o campo em que a sua vontade pode manifestar-se».

Além disso, havendo possibilidade de cura ou de recuperação com outros tratamentos ou técnicas diversas, ainda que mais demorados e dispendiosos, a eles deve recorrer-se obrigatória e prioritariamente.

Por seu turno, a lei polaca exige que a operação constitua a ultime oportunidade de solução para o doente e que ela se apresente com fortes probabilidades de êxito.

Não me parece que, entre nós, até pelo facto de os avanços das ciências médicas não serem, porventura, superiores aos de alguns desses países, se deva ir mais longe, sob pena de se instaurarem condições legais susceptíveis de gerarem graves consequências, lesivas de valores fundamentais e de direitos intransferíveis.

Por isso, inclino-me, sem a menor hesitação, para a solução da proposta de lei, apesar de me parecer que se poderia ter feito um esforço para a melhorar no seu conteúdo normativo e na sua expressão formal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se bem que possa pensar-se que exagero na prestação de esclarecimentos que pude obter da leitura de trabalhos recentes sobre o tema em apreço, não me subtraio a referir ainda que o Dr. Gert Kummerow, professor da Universidade Central da Venezuela, considera que «dos maiores problemas a resolver incidem sobre as operações (los atentados) que geram um dano permanente ou irreparável à integridade física ou uma diminuição acentuada da funcionalidade do organismo». «Nessa esfera concreta», diz esse professor, «o centro de gravidade de todas as interrogações radica na tomada de um órgão dos chamados órgãos gémeos (ou pares) do corpo humano com vista a transplantá-lo para outra pessoa (transplantação de um rim ou de uma glândula sexual, por exemplo). Salvar as contradições através do argumento da hipertrofia compensatória do órgão restante representaria um débil expediente a favor da licitude do acto dispositivo pelo qual um indivíduo se obriga a ceder um rim ou uma glândula sexual, em benefício da saúde de um semelhante».

E conclui: «A diminuição da função, o dano actual e a ameaça de um prejuízo potencial para o organismo, ou minimização do complexo funcional do corpo humano, como sequelas da ablação, são evidentes».

E Cario Saltelli, no seu estudo Disponibililà deli diritto e consenso dell' avvente dirito (no tema «Di attentati alla mtegntà personale»), afirma que sa extirpação de uma glândula sexual não se limita ao dano certo provocado pela fenda decorrente do acto operatório, cuja cura não ultrapassa dez dias. A ablação determina um prejuízo para a integridade física do funcionamento ou do rendimento do indivíduo, que se traduz no enfraquecimento do órgão da geração».

Também segundo refere o mesmo autor, o jurista De Cupis «considera inaceitáveis os convénios de cessões que comportam graves e permanentes transtornos para o corpo».

A Lei francesa de 21 de Julho de 1952, incorporada nos artigos 666 e seguint es do Código da Saúde Pública, prescreve que, no caso de doação de sangue, o médico só pode toma-lo desde que disso não resulte dano sério para o dador.

Mais longe vai o professor argentino Alfredo Orgaz que, ao apreciar a argumentação dos tribunais italianos sobre o célebre caso da transplantação de uma glândula sexual em Nápoles, afirma, no seu livro Personas Individuales, que «a pessoa humana não pode ser utilizada como instrumento ao serviço de outra -muito menos por um preço - no que tem de mais intangível e inalienável como é a saúde».

Ao reflectir sobre estas afirmações e outras semelhantes, a fim de formar a minha opinião, mais se radicou em mim a convicção de que seria por de mais arriscado consagrar a solução proposta pela Câmara Corporativa e pelas comissões parlamentares ouvidas quanto à alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º em debate