risco que se corre em deixar deteriorar o estado do doente até ao ponto limite da sobrevivência, em que talvez a doação já não tenha efeito útil, e assinalar o doloroso e intolerável processo tanto para o receptor como para o dador na espera da chegada deste ao limiar da morte.

É, pois, na consideração do Homem, nos planos natural e sobrenatural, individual e social, que fundamento e advogo a proposta da Câmara Corporativa.

Tenho dito.

O Sr. Almeida Santos: - Sr. Presidente. Eu vou ser muitíssimo breve.

Vi há tempos um filme, italiano ao que suponho, no qual a Mafia obrigava certos dadores a consentirem na amputação de tecidos ou órgãos do seu próprio corpo em benefício de outrem. Tratava-se, é evidente, de transplantações que se revestiam de indiscutível e fundamental valor terapêutico para o receptor e não apenas necessárias à respectiva sobrevivência.

Acautelando a possibilidade de qualquer mafia ou associação congénere vir a exercer, de algum modo, acções coercivas sobre prováveis dadores - possibilidades que aliás não são de rejeitar -, prefiro o texto da proposta do Governo, que lhes não faculta tais possibilidades, e portanto nele votarei.

Suponho, Sr. Presidente, que o assunto está suficientemente esclarecido. Talvez fosse altura de se proceder à votação. V. Exa. o dirá.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - No caso, di-lo-á a Assembleia.

O Sr Rómulo Ribeiro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados. Só duas palavras. Ao referir-me à profunda consideração e respeito que me merecem as opiniões dos meus colegas divergentes neste problema, não posso deixar de manifestar aqui a minha falta de generosidade por não poder comparar as opiniões das testemunhas de Jeová às destes meus colegas. Efectivamente, as desses outros não me merecem qualquer consideração. As dos meus colegas, sim, consideração e respeito.

Depois disto, queria única e simplesmente fazer uma pequena observação É que se afirmou aqui a possibilidade de poder vir a ser tardia, consagrando-se a formulação do Governo, uma eventual transplantação. E isto porque teria de se esperar pela iminência da morte para se poder efectuar qualquer transplantação Ora o texto do Governo não exige nem inculca absolutamente nada disso. O problema de se prever se determinado órgão é ou não necessário à sobrevivência de outrem pode e deve ser considerado no momento em que a ciência médica pode actuar com todo o à-vontade. Efectivamente, se quisesse interpretar-se que a decisão da transplantação teria de fazer-se sobre o acto de um moribundo, não seria possível praticar todos aqueles condicionalismos que a lei exige e que a proposta das Comissões aprovou Não se poderia, designadamente, ir buscar o parecer do psiquiatra, do operador e dos clínicos do centro, ou sejam todos os pareceres que a lei exige para se determinar a vontade do dador Sem dúvida alguma que a fraqueza deste argumento é de tal maneira evidente que dispensa outras considerações.

Queria agora apenas acrescentar o seguinte por vezes chama-se à colação (e eu já referi este problema, embora por alto) a circunstância de a fórmula do Governo não permitir que se dê pronto remédio a um homem que, embora não esteja em perigo de sobrevivência, arraste uma vida vegetativa. Ora o que está por detrás deste articulado do Governo, a ratio lega desta disposição, se for lei, ou, portanto, a motivação que nos determina a nós neste momento, é precisamente esta* todos, segundo os dados da ciência médica (e os médicos que falaram abonam estas minhas palavras), foram mais ou menos concludentes em que a liofilização de produtos biológicos, a obtenção desses mesmos órgãos e outros colhidos em cadáveres permitem que, quando não haja problemas de sobrevivência, se possa responder às necessidades do doente sem amputar ou diminuir outro homem.

Se é assim, eu pergunto quando há um doente cuja vida não corre perigo, por que não há-de esperar-se por um cadáver em vez de se amputar outro pela doação do mesmo órgão?

Este o cerne da questão.

A solidariedade humana (e aqui não há quebra do princípio vital) está presente sempre que exista o perigo de sobrevivência Mas, se tal não se verifica, por que se não há-de esperar, em lugar de se traumatizar um homem com a nostalgia moral de uma amputação e com o empequenecimento da sua capacidade física e psíquica?

Por todas estas razões, voto, sem qualquer hesitação, a proposta de lei do Governo.

O Sr. Almeida Santos: - Sr. Presidente. Eu requeiro a V. Exa. que se dê a matéria por discutida e que se passe à votação, pois suponho que o assunto já está mais que esclarecido para todos nós.

O Sr. Presidente: - Consulto a Assembleia sobre o requerimento do Sr. Deputado Almeida Santos, que requer que a matéria seja dada por discutida e que se passe à votação.

Submetido à Assembleia, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação.

O Sr. Rómulo Ribeiro: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Rómulo Ribeiro: - Requeira prioridade na votação para a proposta do Governo no que diz respeito à alínea a) do n.º 1 e que a votação do artigo 2.º se faça por alíneas.

O Sr. Presidente: - Parece-me que não haverá inconveniente em que a votação se faça por alíneas e cabe à Assembleia decidir sobre se deve ser ou não dada prioridade na votação à alínea a) do texto da proposta de lei.

Consultada a Assembleia, foi concedida a prioridade.