Se na verdade só pode ser dador o que puder manifestar um consentimento pessoal, livre e esclarecido, claro .é que o que tiver anomalia psíquica, surdez ou cegueira, de tal maneira que seja incapaz de governar a sua pessoa, já não pode dar o seu consentimento.

Portanto, este n.º 2 do artigo 4º da proposta de lei, na parte em que não se refere aos menores, já está prejudicado; não pode, por isso, esse texto, ser aprovado.

Há interesse, no entanto, em aprovar o texto do artigo 5.º da proposta das Comissões aã parte que diz respeito á menoridade, pois o artigo 4.º consagrou, embora contra a minha opinião, que só poderão ser dadores os indivíduos com mais de 18 anos.

Entendo que, não obstante esses indivíduos poderem dar o seu consentimento pessoal, deve exigir-se também o consentimento dos pais. Portanto, o n.º l do artigo 5.º é de aprovar inteiramente.

O n.º 2, que se refere ao receptor, não apresenta problema de maior, e considero que deve ser aprovado.

O orador não reviu.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sobre o n.º 2 do artigo 4.º da proposta de lei s do parecer da Câmara Corporativa, que equivale ao n.º l do artigo 4.º propostos pelas Comissões, já me pronunciei no sentido de que se exigisse sempre a maioridade. Mas, uma vez que se prevê, no preceito, que maiores de 18 anos possam ser dadores de órgãos seus, julgo que não basta o consentimento dos pais e que deveria sempre exigir-se também uma autorização judicial, a exemplo do que, para a transplantação do rim, se estabeleceu na já citada lei italiana de 26 de Junho de 1967.

Só assim se evitariam, em boa medida, os inconvenientes que vão resultar de se prever apenas a autorização paterna.

Mas o que mais me repugna é ainda a sugestão do Governo quanto ao suprimento pelos pais do consentimento no caso de diminuídos psíquicos.

Ainda bem que, neste ponto, a Câmara Corporativa não aceita que os pais possam substituir-se ao dador no consentimento a menores que sejam diminuídos mentais. Aqui, a Câmara entendeu, por maioria, que não era de permitir o suprimento do consentimento, quer pelos pais, quer petos tribunais.

A justificação é baseada «na necessidade de um consentimento pessoal e plenamente livre e consciente por parte do dador, o que nunca poderia verificar-se na hipótese em causa, de falta de sanidade mental, para além de a Câmara entender que a doação de parte do próprio corpo se reveste de um valor moral insusceptível de existir sem manifestação de vontade por parte do interessado».

As Comissões alinham nesta orientação porque «a falta de sanidade liquida imediatamente qualquer possibilidade de consentimento».

Embora sejam diferentes os casos de cegueira ou surdez-mudez, tudo parece indicar que não devem ser colocados, na hipótese de dadores, em posição idêntica às pessoas que não sofram dessas incapacidades.

Por isso, o Governo prevê que, nesses casos, seja também indispensável o consentimento dos pais. Mas a Câmara entende que, para estes efeitos, não deve considerar-se «como válida a discriminação das incapacidades por surdez-mudez ou cegueira, que, só por si, não parecem bastantes para impedir o livre e esclarecido consentimento do dador». As Comissões perfilham este mesmo ponto de vista, com o qual não posso concordar.

Trata-se de pessoas diminuídas, que já sofrem de uma grave incapacidade, e que, por isso, bem poderiam ser poupadas, por lei, a ser colocadas na posição de iterem de se arriscar a sofrer nova diminuição física. Há quem pense, partindo desta mesma circunstância, que, até por isso ou por isso, essas pessoas não devem ser postas fora do condicionalismo geral da lei sobre transplantações. Pode até admitir-se que algumas delas se sentissem socialmente chocadas se fossem obrigatoriamente afastadas de uma regulamentação legal desta natureza.

Apesar Ide tudo, e considerando muitos outros aspectos, a começar pelas reais dificuldades que, logo na base, rodeiam este (problema, no que tem de fundamental do ponto de vista ético e jurídico e no plano dos direitos da pessoa humana e ao dos seus deveres quanto ao seu corpo e á sua saúde, inclino-me, ao menos nesta fase iniciai, para a solução de se impedir a doação de órgãos por parte dos surdos-mudos e dos cegos ou de outras pessoas portadoras de graves deficiências físicas.

Se penso assim quanto a este aspecto geral do problema, compreender-se-á que não dê a minha aprovação à eliminação do n.º 3 do artigo 4.º da proposta do Governo, sugerida pela Câmara Corporativa e pelas Comissões. Entendo, na verdade, que, tratando-se de surdo-mudo ou de cego, deveria rodear-se o consentimento de outras exigências e precauções ou, ao menos, limitar-se os casos de transplantação em que pudesse ser utilizado.

O Sr. Rómulo Ribeiro:- Duas palavras apenas em resposta às objecções aqui levantadas.

Quanto à do Sr. Deputado António Brochado, a Câmara já está mais ou menos esclarecida sobre a necessidade de o n.º l d o artigo S.º se manter e não poder ser cortado. Entendeu-se, na verdade, que um menor de 18 anos deverá ser considerado uma pessoa já capaz de formar e de expressar a sua vontade. Todavia, mesmo assim, terá de ser acompanhado pelos pais ou pelo seu representante legal, se porventura aqueles não existirem ou estiverem impedidos, para se conseguirem todas as garantias com que se procura rodear a vontade criada no espírito do dador.

De resto, já foi dada esta mesma resposta a outra das objecções aqui emitidas noutro momento. Torna-se, pois, essencial que à vontade manifestada por um dador com a idade de 18 anos se adicione sempre, como corroboração, a manifestação de vontade do pai ou do seu representante legal. É isto o que está contemplado neste n.º l do artigo 5 º desta proposta de lei, como facto essencial para complementar essa vontade do menor, que, em certas circunstâncias, poderia ser considerada como precipitada ou prematuramente formada. Acho que esta circunstância pode e deve considerar-se indiscutível.

Quanto ao segundo ponto, os argumentos que ouvi levantar aqui não me pareceram nem pertinentes nem convenientes.

Tudo está, segundo me parece, em nós optarmos por uma das seguintes soluções:

Um surdo-mudo ou um cego poderá considerar-se um homem perfeitamente capaz, poderá encontrar-se