o Portugal africano não é uma qualquer eventualidade à mercê das pseudodemonstrações e conjecturas teórico-contabilísticas de uns tantos a quem tanto faria ter nascido portugueses como suecos, contanto que as gamelas recheadas com os frutos da prosperidade consentida pela moderna tecnologia estivessem sempre à altura dos apetites descarnados e das fomes atrasadas de quem, a cada esquina, não se exime a vender o bom nome da sua terra pelo preço vil da sua própria notoriedade pessoal.
Antes do saciar daquelas fomes e apetites assumem especial relevância os deveres inerentes a quem aos modismos transitórios soprados por uma ocidentalização despudoradamente crápula e calculista antepõe os sacrifícios exigidos pela defesa da incorruptibilidade do amorável corpo da Pátria.
É a esse corpo amorável da Pátria agredida que pertencem as províncias de Angola e de Moçambique, cujos problemas habitacionais ora merecem a nossa atenção.
E é tempo de um país em que tantos cérebros se ocupam e, ao que parece, se preocupam com o tão falajado «problema do ultramar», haver quem verdadeiramente cuide de se debruçar e resolver os concretos, efectivos e há muito conhecidos problemas do ultramar, pois que, doa a quem doer, pela sua urgente e frontal resolução passam os caminhos que levam à reconciliação e à unidade de todos os Portugueses.
O Sr. Cazal-Ribeiro: - Muito bem!
O Orador: - A «habitação» constitui um direito social, e, por conseguinte, deixou de ser considerada privilégio de uns tantos, para representar, como os demais direitos sociais, uma prerrogativa dos indivíduos e das famílias - lê-se no aviso prévio em apreço. Acrescentarei que, por imperativo de solidariedade nacional, tal prerrogativa deve ser prioritariamente facultada aos portugueses dos territórios mais sujeitos à contradita das preposições ideológicas sob que se mascaram os intentos mais rapaces.
Muito se tem feito nos últimos anos para proporcionar lares decentes aos estratos economicamente mais débeis das populações de Angola e Moçambique, e o facto de a matéria ter subido a debate nesta Câmara jamais poderá ser interpretado como menos confiança nas entidades e serviços sobre quem recai, localmente, o encargo de levar por diante o encaminhamento do assunto, já que outro desejo nos não move, ao envolvê-los no nosso aplauso e no nosso estímulo, senão unificar os esforços e os talentos de quantos, com o seu contributo, possam tornar menos dura e mais rendível a extrema actividade dos que, diligentemente, guarnecem as primeiras linhas da Nação, una, independente e livre.
A ingente procura de habitações na periferia das nossas grandes cidades africanas pode ter nefastas incidências sociais, pelo que «só com uma política corajosa e inovadora, pressupondo a intervenção colaborante de diferentes serviços, organismos e entidades privadas, através dos seus réditos próprios e das suas actuações legais e particulares, se poderá obstar a um maior agravamento de tensão habitacional».
Todos sabemos que o problema não se configura como uma encruzilhada tipicamente portuguesa, pois «os musseques de Luanda, como os slums em Londres ou em Nova Iorque, os bidonvilles em Paris, as 'favelas' no Rio de Janeiro, os bustees em Calcutá, as villas de miséria em Buenes Aires ou os 'bairros de caniço' em Lourenço Marques, são o resultado de desajustamentos provenientes da evolução social» - como afirma o Dr. Ramiro Ladeiro Monteiro na sua dissertação de licenciatura na Universidade Técnica de Lisboa, intitulada A Família nos Musseques de Luanda.
A capital de Angola tem vindo a duplicar a sua população aproximadamente de dez em dez anos, e não devemos esquecer que às causas gerais da expansão populacional suburbana acresce, em África, a facilidade com que para a cidade se transplanta a tradicional e precária habitação rural
Aliás, sempre a matéria deveria merecer a nossa melhor atenção, já que a mudança sócio-cultural operada nesses aglomerados periféricos, em relação aos padrões das sociedades tradicionais africanas, conduz a certas formas de isolamento e de marginalidade.
Entre os problemas de desambientação social, suscitados pela deslocação para a cidade de significativas massas rurais, avultam os condicionalismos inerentes à transição do sistema tradicional da família extensa para a família nu clear, com as correspondentes sequelas económicas, educacionais, profissionais e de comportamento perante a utensilagem doméstica e a compartimentação das unidades habitacionais.
Quanto ao capítulo, que me é naturalmente caro, da formação da juventude não percamos de vista que já no censo de 1960 Luanda apresentava, no conjunto, 71,8% de habitantes com menos de 30 anos, dos quais 36,9% correspondiam a indivíduos com idade inferior a 15 anos, sendo os jovens do sexo masculino que predominam na população migrante.
No meio urbano a família migrante sofre uma transmutação brusca, por ser forçada a acomodar-se ao novo ambiente, onde a vida decorre em moldes diferentes dos da sua terra.
A célula social base na aldeia é a família extensa, onde tem o aspecto fundamental de unidade económica de produção, na cidade é a família restrita ou nuclear, que diferentemente assume características de unidade de consumo
Na cidade, as famílias restritas tendem a autonomizar-se e a viver independentemente dos laços étnicos, o que pressupõe e exige habitações condizentes e propulsoras de elevação social.
A amplitude da questão parece aconselhar a solução proposta pelo Deputado avisante ao sugerir um sistema financeiro da habitação com instrumentos de actuação aptos a captarem as poupanças disponíveis.
Por outro lado, a consideração de faixas populacionais das famílias urbanas e suburbanas para efeitos de locação habitacional afigura-se-nos corresponder a uma interessante metodologia, capaz de facilitar o labor das estruturas urbanas de integração e convivência
Quanto à constituição orgânica do plano, ter-lhe-á presidido a preocupação de coordenar as acções e conjugar os canais adutores dos respectivos financiamentos todavia, regionalmente melhor se poderão resolver os eventuais conflitos positivos ou negativos de competência que porventura venham a surgir entre os diversos agentes e organismos chamados a colaborar, activamente, nesta batalh a da habitação.
Luta que vale a pena travar