O Orador: - Implica também pretender voluntariamente determinado tipo de habitação De outro modo, exercer-se-ia um tipo de caridade mal entendida ou de violência, ambas indesejáveis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto não significa, como é evidente, que não deva o Estado, em conjugação com entidades particulares, promover tudo quanto possa facilitar a resolução ou minorar o problema habitacional, nomeadamente nas áreas urbanas e suburbanas A sua acção poderá incidir, em especial, no financiamento da urbanização, incluindo as infra-estruturas, e da habitação, em moldes que deverão ser cuidadosamente estudados pelo Governo Central e pelos governos ultramarinos, para o bem-estar das populações portuguesas que labutam e ajudam, de certo modo, a desenvolver Moçambique.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para encerrar o debate, o Sr Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados. É grande a minha satisfação por ter conseguido que os lídimos representantes da Nação Portuguesa, considerada na sua vasta amplitude territorial, se hajam debruçado, atentamente e de novo, sobre um dos mais graves problemas a afectar o bem-estar social da própria Nação - qual seja o problema habitacional de Angola e de Moçambique, nomeadamente o das classes de menores possibilidades económicas

Lastimo apenas que, por razões perfeitamente compreensíveis e aceitáveis -as razões já conhecidas de uma agenda de trabalhos extremamente sobrecarregada para os poucos dias que nos restam neste período legislativo-, não possa sobrar tempo para discutir este momentoso problema com a profundidade adequada.

Porque, na realidade, está de sobejo comprovado que, no conceito das populações, a importância do benefício da habitação vem logo a seguir à do salário como factor significativo da melhoria do padrão de vida. E por «habitação» quer-se significar não só o abrigo em condições de conforto e habitabilidade mínima indispensáveis à dignidade da pessoa humana, mas também a utilização do equipamento social bastante, a existência de um mercado de trabalho não muito longe das zonas habitáveis, a possibilidade da despesa com o alojamento sem prejuízo dos consumos vitais - em suma, o conjunto de factores que permitam aos residentes a perfeita integração na comunidade onde estão fixados.

Como já o afirmei no anúncio do aviso prévio, constitui a «habitação» assim caracterizada um direito social, uma prerrogativa dos indivíduos e das famílias, e não apenas privilégio de uns tantos afortunados. Num Estado Social, como é o nosso, esse direito está até instituído em preceitos insertos em numerosos decretos, portarias e outros diplomas constitucionais de carácter imperativo Mas a verdade é que o facto de se expressar um direito, mesmo até de o formular como princípio sagrado e indiscutível, não é suficiente para lhe dar existência real É preciso mais. É preciso estabelecer obrigatoriamente as condições bastantes para que tal direito possa ser desfrutado, e desfrutado de uma forma completa, por todos aqueles a quem venha a competir. E, obviamente, a responsabilidade do estabelecimento de tais condições só poderá caber a quem disponha da força compulsiva, da autoridade distributiva, da competência legislativa e do poder financeiro - só poderá, pois, caber à Administração, nas suas variadas tessituras À Administração terão de caber a função orientadora e disciplinadora de toda a política habitacional e a muito importante utilização dos respectivos programas como instrumento da correcção da distribuição territorial e de uma mais equitativa distribuição dos benefícios do desenvolvimento.

Como foi suficientemente provado, as razões da carência habitacional nos meios urbanos de Angola e de Moçambique confundem-se, muitas vezes, com os factores do crescimento caótico dos burgos. Assim, o latente e ininterrupto fluxo das massas rurais em demanda de perspectivas económicas mais desafogadas e de tempos livres mais amenos, ou seja, o chamariz do meio urbano, a atracção que a vivência dos centros urbanos exerce sobre as populações rústicas, nomeadamente sobre as suas camadas mais jovens, traz, como consequência, uma notória escassez de habitações nas cidades, e, de outro lado, constitui também esse chamariz um factor base do irregular crescimento dos diversos núcleos urbanos. Por sua vez, a actuação incontrolável dos agentes naturais e das economias exógenas (das quais depende em maior ou menor grau a produção dos produtos agrícolas exportáveis e o escoamento desses mesmos produtos) faz variar o poder económico de numeroso sector da população e pode provocar, por vias indirectas, o crescimento indiscriminado dos núcleos urbanos - consequentemente, pode provocar a verificada carência de alojamentos em condições de dignidade.

Ora, só por intermédio de um planeamento capaz que abarque todas as variáveis do complexo problema habitacional -desde as demográficas às urbanísticas, as sociais, às financeiras, às territoriais, às jurídicas- é que nos poderemos abeirar da solução razoável do mesmo problema. Isto significa que se carece de um plano de habitação e urbanismo para se conseguir nítida melhoria no panorama habitacional.

Foi também largamente inferido que a produção de habitações condignas nos núcleos urbanos de Angola e de Moçambique não acompanha o seu desenvolvimento. E, outrossim, que os corpos municipais não possuem estruturas orgânicas e financeiras a permitir-lhes a condução do actual crescimento acelerado dos respectivos aglomerados urbanos. Neste aspecto, pode até afiançar-se que a maior parte dos corpos municipais de Angola e de Moçambique não possui sequer terrenos urbanizados para o efeito, nem mesmo equipamento social que baste aos bairros legais já erguidos O crescimento destes noss os grandes Estados tem sido demasiado rápido para poder ser convenientemente acompanhado em todas as suas facetas. Resulta de tal situação, como não poderia deixar de ser, um mal-estar social que dia a dia se avoluma e que só vem a descomprimir através das válvulas de escape constituídas pelos musseques, pelos caniços e pelas casas definitivas em transgressão