sília e nesta Câmara de Deputados se elevam as vozes de brasileiros e de portugueses para enaltecer o alto significado de uma data histórica, lembramos a chegada dos nossos navegadores a terras de Santa Cruz e a primeira missa celebrada em Porto Seguro, há quase cinco séculos, na presença de um punhado de heróis de um povo que está decidido de qualquer maneira a não permitir que as relações entre os dois países irmãos sejam perturbadas.

Mas não pode o Ocidente esquecer-se que certos países do Leste procuram, por todos os meios, obter posições de qualquer natureza nos países africanos, principalmente naqueles que estão virados ao Atlântico. A rota do Atlântico Sul poderá, portanto, estar ameaçada, e essa ameaça visará também o continente sul-americano.

A presença de Portugal, ontem e hoje, em África e a situação privilegiada das ilhas de Cabo Verde, da Guiné e de Angola têm constituído sempre um forte obstáculo à expansão imperialista de certas nações e impedido a perturbação da paz social de outros países, que nem sequer pensam no perigo de desagregação e nas crises internas que daí lhe podem advir.

Há, pois, necessidade absoluta de uma esclarecida e actuante compreensão para com a nossa política ultramarina, que visa a continuidade de uma paz duradoira nos territórios africanos e assenta em princípios de amizade, desenvolvimento e progresso social entre os povos.

Sr. Presidente, Srs Deputados: Da tribuna desta Assembleia Nacional, que representa mais de vinte e cinco milhões de portugueses de várias raças e credos, desejo exprimir o muito sincero e amigo apreço pelos largos milhares de portugueses que vivem no grande Brasil, ajudando-o no seu desenvolvimento e colaborando intensamente com os seus irmãos brasileiros para o progresso da sua segunda pátria, na certeza de que o abraço de amizade que daqui lhes enviamos une as duas nações numa só vontade de continuar a maior comunidade de sentimentos e ideais que no Mundo existe.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só a História poderá dizer o que é esta sólida amizade de duas pátrias, já irmanadas pela mesma língua, pela mesma religião e pelos mesmos anseios de progresso e de paz.

Nesta hora de autêntica exaltação luso-brasileira, vai mais uma vez realizar-se a romagem a Belmonte, terra onde nasceu Pedro Álvares Cabral, numa autêntica homenagem à fé e à esperança que norteou, naquela época longínqua, os destinos dos nossos antepassados.

Saudemos, efusivamente, a data que estamos comemorando como mais um padrão da jornada que Portugal e o Brasil estão a percorrer lado a lado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: Na madrugada do dia 20 um violento incêndio destruiu grande parte do edifício central da Universidade do Porto, devorando biblioteca, consumindo arquivos, arrasando instalações, a coberto das circunstâncias que, como em tantos edifícios antigos, propiciam a propagação rápida dos fogos acidentais.

Como se não lhe bastasse ter de contar com o esforço e a coragem que hoje são indispensáveis para viver com honestidade intransigente o quotidiano da função universitária, e Universidade do Porto, que o vinha conseguindo com notável normalidade e ambiente, sofre hoje provações que, para além da solidariedade na condolência, requerem prontas actuações do Governo que lhe permitam continuar a desempenhar o papel a que ganhou direito por trabalho e mentos próprios.

No balanço das perdas, e para além dos danos irrecuperáveis nos documentos e obras de arte, foi decerto a Faculdade de Economia a grande vítima. Perdeu-se a maior parte da sua biblioteca, precisamente o seu núcleo centrai de teoria económica, finanças, direito fiscal, estatística, econometria, investigação operacional, economia portuguesa, teoria da produção, do comércio e dos transportes, economia agrária, economia do trabalho e esse milagre de esforço e persistência que era a biblioteca de desenvolvimento económico, magnífico instrumental bibliográfico que nada ficava a dever ao que de melhor se poderia exibir em qualquer parte. Perderam-se iodas as revistas da especialidade, as valiosas enciclopédias e digestos, as obras de informação estatística, as próprias colectâneas de legislação para uso escolar corrente.

E com tudo isso perderam-se quase totalmente os ficheiros completíssimos que durante quase vinte e um anos a dedicação inultrapassável do Prof. Fernando de Seabra conseguira elaborar, orientando e animando o trabalho dos seus colaboradores, mas, e sobretudo, ocupando-se, directa, sacrificada e amorosamente, da construção dia a dia de um biblioteca eficaz, viva e actuante na formação de docentes e alunos.

Perdeu-se tudo isso Mas não se perdeu a fé nem a coragem, que uma e outra não dependem dos golpes do destino, da reacção dos homens, mas da vontade de prosseguir no caminho escolhido.

Caminho que vai continuar a ser prosseguido com fé e com coragem. Uma fé e uma coragem que não esmorecem, nem esmorecerão, mesmo que a escala de valores, que dá às coisas, nestes pobres tempos e a todos os níveis de responsabilidade, lugares inaceitáveis, reduza a mera notícia provinciana a perda irreparável de parte tão importante da única Universidade metropolitana que tem vindo sempre a cumprir com absoluto normalidade e fidelidade as suas obrigações - mesmo que a aceitação qualificada dessa escala de valores, dizia, lhe entristeça a alma e segrede à sua revolta o canto da desconfiança e do desalento.

A Universidade do Porto preparava-se para apresentar no dia 21, em exposição pública, o panorama da sua magnífica actividade nos campos da investigação e da docência. Não lho consentiu o destino, mas nem por isso desiste do seu propósito de continuar a ser verdadeiramente uma Universidade, que é a única maneira que conhece de honrar validamente um passado ilustre, mesmo correndo o risco de que isso a obrigue a uma opção incómoda em face de transigentes formas de agrado passageiro a ventos históricos de rumo e intensidade mais adivinhados que seriamente pressentidos.