defesa da integridade nacional e manutenção da ordem e da paz pública -, não podendo nem devendo, a meu ver, imiscuir-se na política. Como chefe militar, que fui, assim o entendi sempre.

Não conheço qualquer país, das chamadas democracias do Ocidente, onde o militar possa «virar» político sem passar prèviamente à reserva ou demitir-se das forças armadas. Uma das nossas fraquezas, em meu entender, é a de designar oficiais do activo para cargos políticos e, terminados esses mandatos mais ou menos longos, voltarem ao serviço das suas armas.

É compreensível que o vírus político fique entranhado nas pessoas e daí a sua natural tendência, apesar de militares, de se envolverem em questões políticas. Por mim, repito, os homens das forças armadas deverão ser apenas militares, e já terão muito com que se ocupar, dada a evolução das armas e dos equipamentos, da táctica e até da própria estratégia, única forma de estarem actualizados nos seus estudos, doutrinas e técnicas p rofissionais. Depois, o exercício de cargos políticos cria situações delicadas que os regulamentos - até o de disciplina militar - verdadeiramente não contemplam.

Eu sei que não somos tão ricos em valores como desejaríamos e que, por vezes, haverá que recorrer a militares, mas, quando assim tiver de ser, os interessados deveriam abandonar definitivamente o serviço activo, logo que nomeados para o cargo político. É indispensável frisar que defendo princípios e nunca esteve nem está no meu pensamento qualquer caso individual. É preciso que isto fique bem claro.

Quem me conhece mais intimamente sabe que há muito advogo até que os próprios cargos de Ministros das pastas militares sejam civis. Pois o de Ministro da Defesa considero-o fora de discussão. Os Ministros precisam de ser sobretudo políticos convictos, administradores esclarecidos e homens prestigiosos; para os problemas técnicos dispõem dos seus gabinetes e, mormente, dos seus chefes de estado-maior e toda a estrutura do estado-maior, onde em regra trabalham dos mais distintos elementos das respectivas corporações militares.

O Ministro militar acaba sempre, por maior que seja a sua isenção, por sofrer de alguma deformação profissional.

Todo este raciocínio não leva qualquer envelope, insisto. Trata-se simplesmente de uma concepção da vida militar que cada vez vive mais entranhada nos meus sentimentos.

E diria mais umas palavras sobre coisas militares. A instrução e disciplina militares têm grandes virtudes; a actual juventude prestando serviço multar, o que suporta com maus dificuldade é ter de calar-se muitas vezes e aceitar e cumprir o que lhe determinam. Não são as marchas, nem o peso do equipamento, nem a dureza da instrução. Ela sente-se, parece, diminuída por não poder retorquir livremente, explicar ou justificar mesmo sem motivo ou razão.

Ora, sobre este traço do carácter dos jovens na época da contestação, só as forças armadas têm poder de disciplina, uma vez que a família e a escola o não conseguiram.

Este ambiente, todavia, é nitidamente favorável àqueles cuja necessidade mais urgente é a de encontrar na vida algo que os guie e em que possam apoiar-se, ainda que transitoriamente.

A contestação é palavra que entrou no quotidiano, com pezinhos de lã, como o povo costuma dizer, com a finalidade de permitir a participação dos que a usam na discussão de quase tudo, ainda que nada conheçam da matéria, mas sobretudo da actuação governamental ou da Administração, usando ideologias mais ou menos agressivas.

Dentro do que é equilibrado, a contestação com uma orientação construtiva e sadia deveria considerar-se útil, mas esse equilíbrio não é fácil de encontrar, dada a desorientação que certas doutrinas materialistas e subversivas desencadearam. E, acima de tudo, se a ela presidisse aquele espírito nacional em que os valores morais são devidamente reconhecidos.

Alguém disse.

A juventude está a ser desorientada por murtas e variadas gentes; por certos professores que procuram arrancar até com violência aos jovens aquilo que faz parte da natureza racionai humana o amor de Deus e da Pátria; por outros ensinadores que evitam sistematicamente enfrentar estas realidades fundamentais em todo o ser inteligente. Importa, e sem medo, denunciar este crime contra nós mesmos.

E ainda.

O mundo de hoje ri-se estultamente de certa linguagem, de certos homens do passado. Concretamente, dos mártires da Igreja, dos heróis da Pátria. Mas criou diabolicamente outro martírio e outro heroísmo: aquele martírio e aquele heroísmo que se colocam directamente ao serviço da desordem e do mal.

Para terminar este apontamento sobre questões mais ou menos ligadas à actividade militar não posso deixar de fazer uma referência, ainda uma vez mais, às indústrias militares. Por que não se transformam as fábricas nublares em empresas públicas de capital misto, ficando assim em condições de competir em todos os campos, inclusive o nível de salários a pagar aos seus operários, que é uma das graves dificuldades de que enfermam? Diria que quase dói o coração por se verificar que nessas magníficas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, de Alverca, se não esteja construindo um ou dois tipos de avião não sofisticado e helicópteros. As Oficinas têm apetrechamento e gestão técnica e administrativa para isso e até para mais! Chego a pensar que perdemos a noção da gravidade do momento que atravessamos e da nossa capacidade de conceber e de fabricar uma grande parte do que nos é indispensável para nos mantermos fortes onde e sempre que for preciso. Julgo que a coordenação de muitas vontades e entusiasmos poderia neste âmbito até trazer surpresas agradáveis sobre novas armas. Lembro-me do Centro de Estudos Especiais da Armada e do que tem produzido com recursos mais que insignificantes, aliás bem mal aproveitados.

Repito que, sem dispormos aqui, e principalmente no ultramar, de verdadeira força, não há soluções de qualquer espécie. Cada vez menos a política pode ser conduzida de harmonia com os interesses das nações se não possuírem poderosas forcas armadas, variáveis em elementos constitutivos, consoante a geografia e a estratégia que esta impõe.