Já no século XVI as notava com impiedosa clareza o estrangeiro Clenardo, que aqui viveu alguns anos, corroborando, aliás, o testemunho de autores nacionais, de que bastará ratar Gil Vicente e Sá de Miranda.

Impressionou-o sobremaneira o desprezo a que os nossos heróicos antepassados votavam a agricultura, de que resultava ser então «de uma debilidade extrema», bem como as artes úteis («esta gente tudo prefere suportar a aprender uma profissão qualquer») Com esse abandono do trabalho produtivo corna parelhas a mama nobiliárquica e a propensão para as grandezas («em Portugal todos somos nobres e tem-se como grande desonra exercer qualquer profissão»).

Estes lastimáveis vícios atenuaram-se, por certo, de então para cá, mas continuam a travar a nossa capacidade realizadora Não desapareceu de todo sa nossa ancestral mania de grandezas na vida privada» e murtas são as mães que continuam a exclamar, com arrobos de felicidade, que, graças a Deus, os seus filhos não precisam de trabalhar, como se tal encargo devesse apenas caber aos filhos das outras mães.

O Sr. Magro dos Reis: - Muito bem!

O Orador: - Assim se compreende que sejam poucos os que deliberadamente se dispõem a aceitar a vida de agricultores sempre que para isso tenham de dar ao trabalho os seus próprios braços e, consequentemente, que seja diminuta a frequência das escolas agrícolas de grau inferior, e ainda que alguns alunos saídos dessas escolas se percam para a vida rural e busquem outros caminhos mais fáceis de percorrer, entre os quais estão, naturalmente, os empregos públicos.

O estado de espírito a que aludimos não é, evidentemente, favorável ao desenvolvimento da produção agrícola.

Em meu juízo, há todo um trabalho de mentalização a fazer.

«Urge preparar, em primeiro lugar, o espírito das populações rurais, começando por incutir na criança aldeã, desde o alvorecer da sua vida intelectual, o amor à família, intimamente ligado ao amor pelo torrão em que nasceu, pelo solo que lhe dá o pão e que é a sua pátria querida».

O Sr Magro dos Reis: - Muito bem!

O Orador: - É que, como dizia alguém, só excepcionalmente se vinculará à terra quem é originário da cidade ou em tenra idade abandonou o campo e perdeu o contacto frequente com a sua ambiência A vida rural exige que também o coração humano mergulhe profundamente as suas raízes na terra «Achadiços» se chama nas aldeias aos que vêm de fora, sem se saber donde Os não arreigados são frequentemente olhados com desconfiança pelos aborígenes e só em grupos relativamente numerosos (colónias) poderá conseguir-se.

O ruralismo pode seduzir os que a cidade «usou» e «fatigou», não atrai, porém, a criança para a vida do campo sem o apoio dos vínculos familiares

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E vou terminar.

Em boa hora a Secretaria de Estado da Agricultura criou o Serviço de Formação Profissional Agrária Extra-Escolar, promovendo, através de modalidades de ensino não integradas no sistema escolar, a preparação profissional nos domínios da agricultura, da silvicultura, da pecuária e das actividades agro-industriais e agro-comerciais.

É facto hoje incontestavelmente aceite que, para se fomentar o progresso, tem, necessariamente, de sé criar riqueza, e não se pode criar riqueza sem incrementar o desenvolvimento dos meios de produção, que o mesmo é dizer, melhorar a qualidade do trabalho e o aperfeiçoamento técnico dos trabalhadores.

É sobre a qualidade do trabalho e do aperfeiçoamento técnico dos trabalhadores que vai medir, fundamentalmente, a acção da formação profissional agrícola.

Assim, a formação profissional, na sua acepção ampla, qualificando ou aperfeiçoando o trabalhador, eleva-o também no conceito social e no seu próprio conceito e transforma-o em elemento produtivo, ou em demento mais produtivo, fazendo dele um verdadeiro agente de desenvolvimento sócio-económico, em que todos estamos altamente empenhados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Convirá, no entanto, não esquecer que a formação profissional agrícola não é, nem pode ser considerada, como é óbvio, o elixir infalível que irá curar todas as moléstias da nossa agricultura.

Será, sim, e isso não temos a menor dúvida em afirmá-lo, um poderoso meio -diríamos mesmo um insubstituível meio - para adaptar o homem moderno a todas as situações do trabalho, especialmente aquelas que resultam da constante revolução tecnológica do trabalho em que nos encontramos e que lhe permite aumentar espectacularmente a sua própria produtividade.

É com este acto de fé que, dada a importância da agricultura no contexto sócio-económico do nosso país, eu deposito as melhores esperanças na formação profissional agrícola, fazendo votos para que os seus cursos em breve se estendam ao ultramar, nomeadamente a Angola.

Nas nossas províncias ultramarinas há recursos e possibilidades incalculáveis, todos o sabemos, inclusive no domínio da agricultura Resta que e sses recursos se abram francamente ao tractor e à audácia da nossa gente.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr Castro Saraiva: - Sr. Presidente, Srs Deputados Ao iniciar a apreciação do aviso prévio sobre formação profissional agrícola, desejo, antes do mais, começar por felicitar o ilustre Deputado Magro dos Reis pela feliz e oportuna iniciativa de trazer a esta Câmara um problema de tão elevado interesse nacional.

Do presente aviso prévio ressaltam, quanto a mim, dois aspectos fundamentais

O primeiro é o de, por intermédio da sua discussão nesta Câmara, alertar o País para as grandes vanta-