O Orador: - Eu sei que ao pé de cada bomba abastecedora, como ao pé de quem procura abastecer-se, se não pode manter uma fiscalização satisfatória; como sei também que não será fácil percorrer rua por rua, casa por casa, armazém por armazém, à procura da gasolina açambarcada, se não até já das garrafas de gás butano, cuja falta começa a perturbar muitas economias domésticas.

O que sei é que se criou um estado psicológico, a generalizar-se gravemente no País, que não é de modo algum propício ao seu regular abastecimento em produtos cuja distribuição tenha de obedecer a um certo grau de parcimónia.

Criou-se agora - e ao referi-lo, lembro a expressão feliz de «psicose da alta», com que o Prof. Marcelo Caetano classificou a reacção do público consumidor face a deficiências de abastecimento que a última grande guerra acarretou -, criou-se agora, dizia eu, uma verdadeira «psicose da falta», capaz não só de desorganizar toda a política de abastecimento que se procur e estabelecer, como de se estender a alguns outros produtos indispensáveis, ou dificilmente substituíveis, para a vida de cada um. E não poderia minimizar-se o facto quando a campanha contra a inflação se não poderá deixar comprometer por actos de açambarcamento que dificultam o abastecimento normal ou de retenções que estão na base do aparecimento do chamado «mercado negro».

As «psicoses» têm a sua resposta em medidas apropriadas e prontas, capazes de neutralizar os receios ou as dúvidas que as alimentam; e pode o Governo estar certo de que o País as receberá, e compreenderá, com aberto entusiasmo, até porque há nele, e apesar de tudo, muito mais civismo do que uns tantos, pelas suas atitudes condenáveis, podem deixar supor.

O que o País não compreenderia é que, por excesso de boa fé ou de uma teimosa esperança quanto ao comportamento que a cada um se impõe, se caísse no pecado da omissão, que já o nosso António Vieira apontava como o «mais perigoso de todos os peca dos».

O Sr. Delfino Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente, a comunicação recentíssima ido Sr. Presidente do Conselho se revestiu da maior oportunidade; por isso também o despacho Ido Sr. Secretário de Estado da Indústria, que hoje os jornais transcreveram, mostra a preocupação de corrigir algumas deficiências que decorrem da situação anormal que atravessamos.

Mas o problema é mais fundo, e a sua solução carecerá, ou virá a carecer, de medidas em que todos têm de colaborar.

O Sr. Ricardo Horta: - Muito bem!

O Orador: - E quem o não queira fazer a bem, pois que o faça à força, para que delas todos beneficiem, evitando vantagens singulares para uns tantos que não têm menos obrigações que quaisquer outros a respeitar para com o País, que é o seu, e para a colectividade em que se integram.

Deixo aqui a tal respeito o meu apelo - o meu veemente apelo -, na esperança de que, se a V. Ex.ª, Sr. Presidente, tiver de tornar a pedir a palavra sobre o tema que abordei, será unicamente para agradecer e para louvar.

Conheço, aliás, a firmeza de carácter do Sr. Ministro da Economia para ter a certeza de que este meu apelo não ecoará, nesta Câmara, em vão.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Câmara Pereira: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional: Senti profunda apreensão quando no passado dia 15 de Novembro ocupei um lugar neste hemiciclo de tão nobres tradições e onde se decidem com total representação nacional os mais decisivos problemas do País.

Poucos dias passaram sobre o acontecimento, mas suficientes para ter reencontrado a minha habitual serenidade e no meu espírito se ter sedimentado a enorme responsabilidade do cargo.

Assim, como Deputado, terei que ser fiel a mim mesmo e a quem me creditou tão importante mandato e terei que ser, por imperativos da minha própria consciência, uma voz de esperança para o bom povo açoriano.

Por direito próprio, serei um julgador oportuno e ponderado dos actos do Governo e da administração pública, mas mais do que tudo, e sobrepondo-me a estes aspectos particulares, um activo colaborador na edificação de um Portugal melhor, livre e respeitado em todos os quadrantes.

Levanto a minha voz, humilde e sincera, não só para pronunciar a minha profissão de cumprimentos, mas também, ainda que debutante, para usar dos direitos que me confere o Regimento da Assembleia Nacional, fazendo uma breve crítica ao diploma em discussão - o IV Plano de Fomento.

Por tudo sinto redobrada em mim a ansiedade de acertar desde esta difícil hora na vibração da minha primeira palavra parlamentar.

Sr. Presidente: A minha primeira palavra parlamentar vai para V. Ex.ª

No passado dia 16 contribuí com o meu voto na eleição de V. Ex.ª para Presidente da tão nobre Assembleia Nacional.

Neste meu acto consciente exprimia toda a minha confiança em V. Ex.ª, destacando-o como o mais digno entre nós, definindo-o como o homem íntegro e destacado cidadão que em todo o momento será o fiel e indefectível zelador da soberana autoridade da Assembleia Nacional e garante da sua sagrada independência.

Faço votos, portanto, sinceros e fervorosos, pela saúde de V. Ex.ª e pelo sucesso do seu superior e especial mandato.

Humildemente cumprimento V. Ex.ª com profundo respeito e consideração e ofereço a minha colaboração, que se traduzirá em disponibilidade de tempo e numa vontade enorme de ser útil.

Caracterizará a minha presença nesta Assembleia sobretudo a compreensão e a dedicação que me são peculiares e sempre procurarei renunciar a excessos e aceitar a justa definição das prioridades.

Representando fielmente o bom povo da minha terra, a sua vontade e os seus votos, desejo estendê-los em admiração e respeito a todos os portugueses, de Bragança a Faro, de Angola à Madeira, ou aos que se encontrem espalhados por terras de estranja, em honrosa labuta na procura de melhor segurança social