deiras tribais ao som de batuques anunciativos de orgias de sangue, nos têm intimidado ou feito esmorecer na determinada decisão de lutar.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - «Orgulhosamente sós» no começo, menos sós hoje e ainda no mesmo mundo, ora mais atento às razões e sentido da nossa heróica resistência, continuamos, não obstante, a viver horas amargas de atenta e dura vigília num permanente alerta em defesa das nossas estruturas de nação livre e independente, jamais tão ameaçadas no decurso da sua vida multissecular.

O momento é de reflexão. De reflexão e de acção.

Estamos em guerra. Consequentemente, nunca tanto se impôs um apelo à consciência nacional, a formatura em linha de combate, o cerrar de fileiras, a unidade e disciplina, tudo a exigir o esforço de cada um na comparticipação do que há-de ser atitude conjunta de defesa do essencial para todos - a Nação, a Pátria, corpo e alma de um todo a salvaguardar e continuar. E porque estamos em guerra a organização da resistência terá de processar-se à escala nacional, sem lugar para a indiferença ou abstenção, tão-pouco para as preferências políticas de raiz partidária, por natureza desagregantes e geradoras da divisão incompatível com as necessidades da hora presente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Hora de cruzada?

Sim, hora de autêntica cruzada, pois nela se defende uma fé, uma civilização, uma cultura, um povo, uma bandeira e uma pátria, realidades que nos transcendem e por que já se bateram, muito antes de nós, heróis que glorificamos e santos que veneramos. Reis-soldados e soldados do rei a definir fronteiras e a fazer história, génese da espiritualidade que nos identifica, verdadeira dimensão de uma grandeza que só se encontra quando atentamente olhamos para trás.

Hora de cruzada exigida pela defesa da terra que nos pertence por força do direito e do sangue que a ensopa, mas também hora de resgate, porque nela se ganhará um direito fundamental da nossa condição humana - o direito de sermos livres e portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os clarins tocam a reunir. Todos os ouvimos. Todos vemos, deles suspenso, o pendão glorioso das quinas. Nem por estarmos nas últimas linhas deixa de nos obrigar o seu toque, já que não somos menos soldados nem somos menos precisos à luta que se trava, empunhando as armas uns, segurando a charrua e insuflando ânimo os outros; todos soldados a defender o mesmo solo e a viver o mesmo ideal, uns a combater nas frentes, fortalecendo outros a retaguarda a que aqueles se acolherão e terá de ser muralha instransponível de resistência moral, fonte de alento, abrigo seguro, manancial renovador do sangue necessário ao combate redentor. E que aqui também é campo de batalha, onde o pelejar não é menos duro, nem menos responsável, pois o inimigo que mata, que incendeia e saqueia na frente africana tem instalados entre nós agentes seus, perigosos agentes da erosão da alma nacional, desagregadores da sua unidade, negociadores da terra que nos identifica e é património inalienável e indivisível.

A esses, que connosco se misturam no dia a dia do nosso viver e connosco se procuram confundir, é a nós que cumpre combatê-los, procurá-los e persegui-los entre o capim de diferentes matizes que os esconde, para que nos não venham a surpreender, cravadas no nosso solo, as bandeiras dos estrangeirismos que representam e servem.

Eis com toda a sua singeleza a grandeza da tarefa que nos incumbe, o trilho da caminhada a percorrer e nos tornará mais dignos, mais merecedores das frentes que nos prolongam e encarnam, dos que tombaram e dos que lutam, fonte da força que temos de ser, perfeitamente cônscios do nosso destino, do nosso querer e união em redor de um Governo para quem a defesa do ultramar - é preciso que se acentue e saliente - não resulta das imposições de uma política de capricho, mas- sim da estrita obediência, aos preceitos constitucionais, sobretudo aos imperativos da consciência nacional que todos nós aqui representamos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Só assim seremos verdadeiramente dignos de nós e do autêntico condestabre que nos comanda e indica o rumo certo na rota que o destino e a história nos traçaram, hoje como então com a lança em riste, decidido e indómito contra o invasor que o mesmo sentimento impele.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Salientando o clima do nosso viver preocupado e ansioso, a suportar encargos e sacrifícios que a dureza das guerras sempre impõe e parecem superar os limites da nossa resistência, se me atrevo a fazer a sua dolorosa evocação outra intenção não tenho que não seja a de fazer notar nesta Assembleia o sentimento inspirador da minha intervenção, imposta pelo que julgo ser um dever de consciência a exigir uma atitude de evidente solidariedade, de claro e efectivo reconhecimento devido aos homens que nas frentes de batalha tão galhardamente contribuem para a continuidade e permanência de Portugal nas terras portuguesas da África, aonde nos levou um sentido de missão e onde continuamos missionando, à sombra protectora da mesma cruz.

Nestas circunstâncias, julgo que nos incumbe, tal como ainda recentemente o afirmava o ilustre Deputado Santos da Cunha, «corresponder ao esforço generoso da juventude que se bate em defesa do nosso território ultramarino». Há, de facto, que corresponder à generosidade desse esforço; porém, há que fazê-lo através de atitudes de inequívoco sentido nacional, dignificador daquele e de nós próprios, seus destinatários e beneficiários neste por vezes exageradamente cómodo viver da metrópole.

Dentro deste entendimento, fazendo apelo a sentimentos que julgo comuns a todos nós, permito-me sugerir que a esses homens que lutam e regressam tão anónimos como partiram, sempre altivos e orgulhosos da farda que os tornou mais portugueses, seja conferido o direito ao uso de uma insígnia, um vulgar distintivo de lapela que os identifique, e arranque do anonimato que os encobre, de modo que todos possamos, através da mudez de um simples olhar ou da reverência de um discreto cumprimento, manifestar-lhes todo o reconhecimento e solidariedade que lhes são devidos, o obrigado que merecem, o júbilo que sentimos por os ver regressar aureolados pelo forte resplendor da glória que os ilumina e a todos nós toca, honra e engrandece.

Vozes: - Muito bem, muito bem!