a trindade, e aqui se conclui este ciclo íntimo, sem todavia se destruir a unidade substancial de vida, entre as três Pessoas. As exigências deste impulso ou processo vital mantêm-se consturalmente, por assim dizer, na família humana constituída.

Destas reflexões, como também da leitura dos textos da Constituição Portuguesa e do texto pontifício atrás citados, me irrompe no espírito a convicção de que a proposta de lei que se discute não veio senão executar-lhes a letra, interpretar-lhes o espírito, viver-lhes a alma. Dou, por isso, desde já, o meu voto ao projecto na sua generalidade, e ao seu ilustre autor, Dr. Borges de Araújo, as minhas felicitações muito sinceras.

Permita-se-me, todavia, opor à generalidade do assunto ainda alguns breves apontamentos.

Uma vez que se invoca, para fundamento da preferência sobre que se projecta legislar, a defesa da unidade do lar, parece que o benefício não deveria limitar-se a uma única classe: o professorado primário. Porque não estendê-lo por igual a todo o funcionalismo público? Ou ao menos aos professores dos restantes graus do ensino? ...

E indiscutível que essa seria a amplitude desejada. Mas, para já, não se afigura exequível tão larga aplicação do privilégio, embora, com toda a justiça, importe que se vá criando, a pouco e pouco, um condicionalismo mais propício ao alargamento da preferência, a legislar, a outros quadros do funcionalismo público. Mas enquanto se não atingir tal desiderato, parece justificar-se que, pelo menos, se conceda tratamento preferencial ao professorado primário, do qual não deixam também de beneficiar outros funcionários do Estado e dos corpos administrativos, embora indirectamente, na medida em que ao vínculo matrimonial se passa a atribuir uma como que capacidade de atracção jurídica que chama o cônjuge-professor primário para a localidade da residência do outro cônjuge que pelo menos seja funcionário do Estado ou dos corpos administrativos. Este tratamento justifica-se, penso, pelas seguintes razões:

Por um lado, trata-se de uma classe de funcionários a quem tanto pelo Estado como pela sociedade foi confiada uma função altamente formativa de futuros e preciosos elementos constitutivos de novas famílias e da própria sociedade, da Nação e da Igreja. Cumpria, pois, com bastas razões, dignificar e proteger a função, honrando e defendendo os indivíduos nela investidos.

De resto, sabe-se que em certos países da antiguidade oriental se confiava a dignitários dos mais altos da corte a delicada missão de instruir e educar a juventude. Entendia-se, então, que a delicadeza e dignidade do múnus exigiam que aqueles que o desempenhassem fossem apenas em número reduzido, de rigorosa selecção, e honrados com prerrogativas e medidas de protecção especiais.

Por outro lado, não poderá parecer menos equânime restringir aos professores do ensino primário a preferência ora em debate, atenta a sua débil situação económica, que não lhes permite deslocarem-se com facilidade aos locais do seu serviço e reunirem-se à família; nem lhes possibilita usufruírem alojamentos mais consentâneos com a sua condição e múnus, quando colocados em localidades diferentes das da sua habitual residência. A debilidade económica, em que se encontram, necessariamente lhes tolhe, e bastante, a liberdade de movimentos e a procura de vantagens e comodidades necessárias a eles próprios e às respectivas famílias. Para eles uma duplicação dê domicílios seria extremamente gravosa, ou antes, ruinosa.

O parecer da Câmara Corporativa, reduzindo os beneficiários indirectos da preferência (aqueles que a motivam), sugere, por outro lado, por concomitância ou analogia de fundamento, a inclusão na base I de outras duas categorias de professores primários: uma, aferida pelo lar paterno, como motivo da preferência; outra, pela naturalidade, como razão dessa excepção.

Embora mereçam toda a atenção, não parece todavia deverem tais situações equiparar-se ao facto do vínculo conjugal que se pretende defender de modo muito especial.

Releve-se-me agora, Sr. Presidente, Srs. Deputados, uma sugestão sobre a situação dos professores primários no ultramar, relativamente ao tratamento preferencial proposto no projecto em discussão e no parecer da Câmara Corporativa que a este se refere.

O que se acha legislado, na matéria, para o ultramar, está praticamente refundido no artigo 18.º e respectivo § único do Decreto n.º 45 908, de 10 de Setembro de 1964. O referido artigo dispõe o seguinte:

As professoras casadas com professores pertencentes ao quadro docente de qualquer das províncias terão preferência no provimento de vagas de lugares femininos do mesmo quadro e de colocação na localidade onde o marido prestar serviço.

O § único é do teor seguinte:

As preferências do corpo do artigo são extensivas aos cônjuges dos funcionários dos quadros de inspecção e de direcção dos serviços de educação.

Não seria oportuno estender ao ultramar o direito de preferência proposto pelo projecto que nos ocupa? A nossa real unidade política, multirracial e pluricontinental, motivo de justo orgulho de todos nós, não deve correr o risco de desperdiçar oportunidades como esta para se afirmar mais uma vez. Espero, por isso, que algo se fará no sentido do voto que acima se formulou.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a seguinte ordem do dia: eleição da Comissão de Defesa Nacional e continuação do debate na generalidade sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Borges de Araújo.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.

André Francisco Navarro.

Antão Santos da Cunha.

António Carneiros Lopes.

António Manuel Gonçalves Rapazote.

Arlindo Gonçalves Soares.

Armando José Perdigão.

Carlos Monteiro do Amaral Neto.

Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.

Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Casal Ribeiro),

Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.

Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.