quando a chamada «grande guerra» veio ao Sul da França, a rainha se ofereceu para servir nas fileiras da Cruz Vermelha. Religiosíssima, sempre presente em todos os actos religiosos, dando exemplo de fidelidade à Igreja, como rainha fidelíssima que era, embora nos tempos essa circunstância andasse esquecida. No Sameiro, na minha terra, a coroar a imagem da Senhora há uma coroa de ouro que, por subscrição pública, ali foi levada; ali está o maior brilhante das jóias da rainha, com que quis presentear a minha Senhora, a Senhora da minha terra.

A rainha estava atenta a tudo o que fosse de interesse nacional. Ficámos-lhe a dever a assistência nacional aos tuberculosos, que ainda hoje assenta nas estruturas então criadas. Ela foi na esteira dessa outra grande rainha de Portugal: a rainha D. Leonor.

Os reis e as rainhas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não eram tão maus como a história do nosso tempo nos quis fazer acreditar.

Ficámos-lhe a dever nesta nossa cidade de Lisboa o Museu dos Coches, que demonstra a preocupação artística da rainha. Como educadora que era, a ela se ficou a dever a viagem do príncipe D. Luís ao ultramar, o que não pôde evitar que se lhe fizessem as mais rudes críticas, como muito bem lembrou o ilustre Deputado Sr. Dr. José Manuel da Costa.

O sonho desfez-se talvez como fumo, mas, numa manhã de sol, a rainha veio. Não havia grinaldas, mas Lisboa estava coberta de crepes. Não havia fanfarras a tocar marchas alegres; mas havia fanfarras, bandas e cornetas a tocar marchas fúnebres. Eu tinha sonhado que o povo tinha de estar ali presente, e o povo desta nossa amada Lisboa compareceu a encher as ruas da capital para receber a Bainha Senhora D. Amélia. Como eu havia sonhado - também isso fazia parte do sonho da minha juventude -, a rainha, aos ombros dos marinheiros franceses, que a entregaram aos marinheiros de Portugal, veio pela mão de Salazar, que cumpriu assim um dever de gratidão. A rainha dedicara ao Sr. Presidente do Conselho e à sua obra a mais alta consideração.

Por um homem que viveu junto dela nos seus últimos dias me foi dito ... Oiçam isto certos monárquicos que por aí andam a rotular-se de independentes - independentes não sei de quê nem porquê! (Risos). Independentes do poder de quem simboliza o poder- real? Por certo que não. Independentes dos mais sagrados interesses nacionais? Também não pode ser.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando se tratou de redigir memorável documento em que se lhe pôs a necessidade de fazer determinada disposição, a rainha, agarrada a certos preconceitos, hesitou em fazê-lo. Mas quando alguém lhe disse que era vontade de Salazar que fosse assim, a rainha respondeu:

Mas porque não mo disseram? Faça-se, portanto, como Salazar quer.

Daí ter dito eu que, se houve um acto de justiça da parte do Sr. Presidente do Conselho para com a rainha, esta atitude da rainha foi também um acto de gratidão, dado o respeito, veneração e estima que a rainha tinha para com o Sr. Presidente do Conselho.

Meus senhores: Não posso, nem o tempo mo permite, fazer aqui uma análise completa da personalidade da Bainha Senhora D. Amélia, nem do tempo em que ela viveu. Mas faz hoje anos, precisamente 58 anos, que neste país se cometeu o mais nefando de todos os crimes. El-rei D. Carlos foi assassinado pelo crime de querer restaurar uma monarquia que já não existia, e neste momento, se me é permitido, quero discordar da frase atribuída ao rei de que reinava numa monarquia fiem monárquicos, porque monárquicos havia-os em Portugal, o que já não existia era a monarquia. Tinha morrido em Évora Monte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se me permitem, quero em duas palavras dizer o que penso sobre essa hora negra, em que a rainha D. Amélia se mostrou em toda a estatura, em que lhe foi dado beber todo o cálice da dor. Perguntou Ramalho Ortigão, ao ler uma notícia em que se dizia que a rainha tinha saído ilesa do atentado, como podia ter saído ilesa se lhe mataram o marido e o príncipe, pouco faltando para que lhe matassem também o outro filho?

O tempo precisa de ser analisado e precisam de ser causticados os homens que lhe deram origem. Não quero nenhuma espécie de solidariedade com os do rotativismo político da época. Os povos querem que os governos tratem a fundo dos problemas da administração e a verdade é que nos últimos tempos da monarquia só se tratava de partidarismos políticos, de fazer impor as conveniências dos próprios partidos, e foi por isso que el-rei D. Carlos, ao querer regenerar este país, chamou João Franco à cena política. Foi por isso que o mataram. Quem o matou? Sabemos que foi o Costa, o Buíça. Mas quem armou o seu braço? Só o partido republicano? Talvez não. O partido republicano não escapa às culpas que lhe cabem no assassínio, nem os seus chefes, nem os seus mentores, nem aquele jornalista e o outro consagrado escritor que tiveram conversas com o Costa antes da hora miseranda. Se não queriam, por solidariedade de seita, denunciar os nomes, tinham obrigação de apresentar à polícia o facto que se ia passar, para que esta tomasse as suas providências.

Mas ficaram cinicamente no anonimato, esperando o desenrolar dos acontecimentos, cinismo que só devia ter igual naquele outro poeta que em terras de Espanha dizia que não aprovava a morte do rei, mas que tinha lido o telegrama com os olhos enxutos. Como se qualquer pessoa pudesse esperar que ele chorasse a morte de D. Carlos!

Mas não me quero referir ao partido republicano. E preciso, aliás, distinguir entre os republicanos históricos, que dignamente, honradamente, fizeram a propaganda das suas doutrinas, e a demagogia, que lançou o ódio contra tudo o que cheirava à tradição que antecedeu a implantação da República.

A rainha D. Amélia viveu todos estes acontecimentos, ela que via a monarquia a ir por um caminho que estava