ao abrigo de uma lei que pretende defender o seu lar, ficando naturalmente preterido outro que poderia muito justamente beneficiar da referida lei?
O Sr. Borges de Araújo: - Mas considera-se que pode vir a voltar ao ambiente familiar.
O Sr. Proença Duarte:-Ao meu espírito surgem certas dúvidas, uma delas levantada pelo Sr. Deputado Braamcamp Sobral. Ao falar-se em "os que tenham abandonado por completo o domicílio conjugal há mais de três anos", quem pode ser o opositor legal ao professor que venha requerer essa preferência? Que elementos de provas poderá aduzir esse opositor legal?
O Sr. Borges de Araújo: - Quem requerer sem direito a preferência estará sujeito naturalmente a processo disciplinar.
O Sr. Proença Duarte: - Nessas condições é porque não se reconhece legitimidade no concurso, preterindo-se os que se encontram em condições legais. Não se vê mesmo como é que o opositor legal há-de levar por diante a sua oposição arranjando elementos de prova a fornecer aos serviços administrativos que possam fundamentar a oposição.
O Sr. Borges de Araújo: - Qualquer prejudicado pode recorrer para o Ministério.
O Sr. Proença Duarte: - Num concurso em que só podem concorrer os que tenham direito dê preferência absoluta não se pode deduzir legalmente oposição por parte dos outros que não venham ao concurso. De futuro a coisa devia ser esclarecida, por não me parecer muito jurídico que esta expressão aqui fique sem mais explicações. Quem tem que fazer a aplicação da lei não sabe como interpretá-la.
O Sr. Fernando de Matos: - Sr. Presidente: Felicito-me por ver que a observação que eu tinha no pensamento foi bem traduzida pelo Sr. Dr. Proença Duarte, observação que decorre das lúcidas considerações do Sr. Deputado Braamcamp Sobral.
Com efeito, tem de ser esclarecido quem tem legitimidade para deduzir oposição à pretensão de um professor que esteja separado. Isso não pode ser resolvido por um despacho burocrático.
Concordo com as considerações do Sr. Deputado Braamcamp Sobral, porque também nos casos de separação judicial os separados podem refazer o seu lar, e não apenas no caso de separação de facto há menos de três anos.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - A competência para deduzir oposição cabe àqueles professores aos quais interessar a escola vaga. Aliás, na base V diz-se que são passíveis de processo disciplinar aqueles que invocarem o direito de preferência sem terem direito a ele.
O Sr. Proença Duarte: - Apesar da explicação, que agradeço, a minha dúvida subsiste e posso afirmar aqui a minha repugnância por ver ficar aqui na lei esta disposição, repugnância que suponho terão muitos outros ilustres membros da Comissão. Os cônjuges vivem ou não separados há mais de três anos. Não sê compreende que por uma questão de generosidade se vá prejudicar outros concorrentes, até porque é difícil ao inquiridor concluir se estava ou não decorrido o prazo dos três anos, prazo esse que pode ser invalidado por correspondência trocada entre os cônjuges separados e várias outras démarches.
Há, portanto, uma incerteza da lei, podendo, além disso, lançar-se a perturbação e usar-se de sofisma, tudo meios de prejudicar legítimos direitos alheios. Por estas razões se me afigura não dever figurar na lei a expressão em causa.
O Sr. Furtado dos Santos: - O Sr. Deputado Proença Duarte referiu-se ao procurador-geral da República como um dos signatários da proposta, e é como signatário sómente que lhe respondo, por o procurador-geral não estava aqui presente. A minha sensibilidade jurídica diz-me que o que está na base em discussão é o que vem, desde 1931 da lei vigente, que sempre se considerou lógica e clara. Entendeu-se dever pôr-se aqui o que está na lei geral relativamente aos que tenham abandonado por completo o domicílio conjugal durante mais de três anos, pois que, havendo qualquer causa que afaste o exercício da preferência, então há um limite negativo. Foi a solução melhor que se encontrou em 1931 e agora.
Isto é reflexo do que está na lei geral.
Claro que o cônjuge que deu causa ao divórcio não deverá invocar a preferência, porque não tom base que a justifique, mas, se o fizer, qualquer concorrente tem interesse e consequente legitimidade em reclamar no processo do concurso. Além disso, há o processo disciplinar e o processo contencioso para a defesa de posições de cada interessado. Aí se esclarecerão os factos positivos e negativos.
O Sr. Proença Duarte: - E esse processo disciplinar ou simples inquérito constituirá caso julgado para o outro cônjuge requerer divórcio ou separação com base nele? Assim iremos enxertar um processo judicial num processo meramente administrativo.
O Sr. Furtado dos Santos: - V. Exª. é que veio enxertá-lo em face de uma expressão cuja clareza corresponde à do texto legal que, sem dúvidas de alcance, vigora desde 1931.
O Sr. Proença Duarte: -Eu quando invoquei-a sua qualidade de procurador-geral. da República foi apenas para invocar as altas qualidades de jurista de V. Ex.ª
O Sr. Furtado dos Santos: - Muito grato a V. Ex.ª
O Sr. Machado Soares: - Também eu acho que esta base vai criar situações bastante difíceis à investigação e ao processo disciplinar para se determinar o prazo e o período em quê decorre o abandono.
O divórcio, tendo por base o abandono há mais de três anos, ó, no entanto, preciso determiná-lo expressamente em processo judicial. O abandono em si é considerado tão grave que limita o motivo da separação ou divórcio a um prazo curto de três anos; mas se for a separação livremente consentida, já o prazo é de dez anos.
Ora vejam, VV. Ex.ªs, o cuidado que teve o legislador em separar nitidamente estas duas consequências. O abandono real e efectivo ao fim de três anos constitui motivo de separação ou divórcio. Mas desde que não haja abandono na separação livremente consentida, o legislador exige dez anos. Melhor seria tirar a palavra "abandono" por a prova ser muito difícil de fazer nos tribunais, como muitos.