pensamento de política comercial e marítima determinasse o escol dos dirigentes a buscar novas rotas e descobrir outras terras; o constante apelo à evangelização dos povos, a par e passo das descobertas e da colonização, marcaria, se não a consciência religiosa do poder, ao menos a mobilização do sentimento público para facilitar a empresa e tornar suportáveis, através do reconhecimento de alta missão espiritual, os sacrifícios que custava. Assim se compreende essa arrancada para a evangelização, que multiplicava as forças das ordens religiosas e gerava novas cristandades; assim se compreende o espírito da nossa dominação e das relações com os indígenas, muito antes que se invocassem pela Europa as exigências do humanitarismo; assim se compreende o afecto, a filiação espiritual de muitos povos e raças que não dominamos já politicamente. Povo descobridor, povo colonizador, povo missionário - tudo é revelação do mesmo ser colectivo, demonstração ou desdobramento da mesma po lítica nacional.

Quer dizer: não pôde pôr-se entre nós o problema de qualquer incompatibilidade entre a política da Nação e a liberdade evangelizadora; pelo contrário, uma fez sempre parte essencial da outra.

Desculpem-me VV. Ex.ªs, meus senhores, a extensão da citação. Mas julguei-a conveniente para realçar a importância da Concordata e, sobretudo, do Acordo Missionário de 7 de Maio de 1940, em cuja atmosfera de manhã de ressurreição foi publicada a bula Sollemnibus Conventionibus de 4 de Setembro do mesmo ano, e meses depois, em 5 de Abril de 1941, o Estatuto Missionário.

A bula veio executar o Acordo Missionário, hierarquizando as missões católicas portuguesas no ultramar pela criação da Arquidiocese de Luanda e respectivas Dioceses sufragâneas de Nova Lisboa e Silva Porto, em Angola; e da Arquidiocese de Lourenço Marques e suas duas sufragâneas da Beira e Nampula, em Moçambique; e ainda pela criação da Diocese de Díli, no Timor português.

Por outro lado, o Estatuto Missionário, elaborado pelo Governo, veio interpretar e regulamentar o texto daquele acordo.

Entre a bula e o estatuto é publicado, .a 12 de Janeiro de 1941, o decreto executório da referida bula, emanado da Nunciatura de Lisboa.

O 25.º aniversário da publicação deste documento importante da Nunciatura, ocorrido no passado dia 12 de Janeiro, marca assim o jubileu de prata da reorganização missionária do ultramar português e, muito particularmente, as bodas de prata das Dioceses acima mencionadas.

Julguei, por tudo isto, ser oportuna e conveniente uma palavra nesta Câmara para assinalar o facto, cujo esquecimento no sacerdote devotado às lides missionárias seria, porventura, sintoma de se haver perdido a consciência do sentido histórico da nossa nacionalidade ou do sentido profundo da nossa vocação providencial.

Mas o que são as missões católicas para Portugal?

Esta pergunta, uma vez que o missionismo evangelizador é a razão de ser da Nação Portuguesa na história do Mundo, esta pergunta, digo, parece equivaler a estoutra: o que é o sangue para todo o corpo? Ou o que é a seiva para a planta que ela alimenta?

Cabe aqui reproduzir o autorizado pensamento da Câmara Corporativa aposto ao texto da Concordata e do Acordo Missionário:

Ninguém de mediana cultura ignora hoje o contributo dedo pelas missões à acção civilizadora da Nação Portuguesa. E dizemos que ninguém hoje ignora, porque o seu (reconhecimento, ainda que por vezes expresso à contrecceur, encontramo-lo nas confissões de alguns dos anais intransigentes adversários da Igreja ... É que o missionário - continua ainda o mesmo parecer - não é sómente evangelizador, mas também, porque evangelizador, pregoeiro insubstituível da nossa civilização e, quando português, da nossa soberania.

E por isso que o artigo 81.º do Estatuto Missionário preceitua expressamente o seguinte:

As autoridades e serviços públicos prestarão, no desempenho das suas funções, toda a coadjuvação e apoio que o desenvolvimento e progressão da acção missionária católica tornar necessário, de acordo com o seu fim nacional e civilizador.

Esta disposição é corolário do artigo 2.º do mesmo estatuto, em que se afirma:

As missões católicas portuguesas são consideradas instituições de utilidade imperial e de sentido eminentemente civilizador.

Não obstante toda a limpidez .e rectidão de intenção que informa este artigo, não se pode ter como absolutamente garantido que outros não venham nunca a assacar-nos algum pecado imperialista à sombra de uma interpretação oblíqua ou declaradamente agressiva de um texto em si tão simples. E isto, sobretudo, quando, mercê do actual clima político internacional, lhes acudir ao espírito que a expansão política, levada a cabo por alguns países ocidentais em certos territórios asiáticos, se processou pelas seguintes fases:

1.º Ocupação espiritual, através de missões religiosas;

2.º Ocupação económica, pelo estabelecimento de empresas comerciais e industriais;

3.º Ocupação diplomática, pela criação nos mesmos territórios de representações consulares para proteger interesses e súbditos do país ocupante;

4.º Ocupação militar para vingar direitos do mesmo país, real ou pretensamente lesados;

5.º Ocupação política geralmente definitiva, em forma de colónia ou, pelo menos, de concessão sui júris.

Foi assim que os Chineses ganharam o convencimento de que as missões religiosas ocidentais em seu território eram necessariamente ou quase sempre precursoras de futuras ocupações militares e políticas por parte dos países de origem dessas mesmas missões.

Por outro lado, no plano nacional, e desde que se ignore a transcendência interior a toda a história, o texto do artigo 2.º acima citado pode também vir a ser objecto de uma hermenêutica exclusivamente utilitária e temporal, contraditória, portanto, da genuína vocação de Portugal no ,Mundo, dessa vocação que se define como missão cristocêntrica e não antropocêntrica.

De facto, se alguém à sombra daquele texto atribuísse às missões católicas portuguesas apenas um sentido instrumental, em função da temporalidade de uma nação, viria necessariamente a constatar que com isso desmentiria o sentido autêntico da nossa história e inverteria a progressão histórica, assinalando-lhe uma órbita estatocêntrica, contrariando, assim, a famosa defi-