jar - e tudo faz supor que esse ideal será brevemente atingido -, aos brancos e aos seus inconcebíveis preconceitos e procedimento se deve atribuir a culpa principal.

Assim, a violação das mulheres brancas, esse triste e frequente crime, não é só a satisfação feroz de um desejo brutal: é principalmente uma represália contra essa prática selvagem e exasperante da lei de Lynch. Os brancos americanos, que são muito pouco propensos a respeitar as mulheres de cor, deixam-se completamente cegar pelo feroz orgulho de raça quando vêem as mulheres da sua raça serem alvo desses atentados.

E preciso atender a que o início da vida social dos negros remonta a uma época bem próxima da actual, e a que, mesmo desde a sua libertação, em vez de prémios, exemplos, conselhos e brandura por parte dos brancos, apenas têm recebido ultrages, violências, desmandos e provocações. A raça negra tem, apesar de tudo, progredido admiravelmente, e todos os indícios que hoje se observam nela concorrem para fazer acreditar que a era da completa redenção moral se avizinha rapidamente.

Estou assim chegado ao fim da sucinta exposição de factos com que pretendo demonstrar, e julgo ter demonstrado claramente, a completa equivalência das raças humanas. Se anatómica e fisiològicamente se puderem apontar sinais de inferioridade na raça negra, vimos já detidamente como, sob a influência- do meio físico e de estímulo pedagógico, se podem processar as modificações antropológicas capazes de servir de substrato ao progresso da raça.

Se a mentalidade e moralidade dos indígenas a civilizar forem inicialmente rudimentares, vimos também como a evolução progressiva se obtém infalivelmente pela melhoria do meio económico e pela acção do contrato social. «Raças superiores» e «raças inferiores» não passam, pois, de expressões ocas e banalmente insignificativas da fraseologia orgulhosa desse insustentável e odioso preconceito de raça que, diga-se de passagem, para honra dos seus colonizadores, nunca criou raízes fundas em terra portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O que me proponho é fazer perpassar perante esta nobre Assembleia o arrepio de pavor que aquele ciclone levou ao coração das desprotegidas populações sobre que fez recair a sua fúria devastadora.

Hão-de VV. Ex.ªs ter notado que as catástrofes noticiadas recaíram quase exclusivamente sobre os milhares de habitantes africanos que se amontoam a esmo nos subúrdios da bela cidade de Lourenço Marques e que constituem, de longe o seu mais numeroso sector populacional. Isso porque não foi ainda possível evitar, em Moçambique, e por motivos que não interessa agora averiguar, o que considero uma das mais graves contradições do nosso humano sistema de convívio com as populações aborígenes. Abrimos-lhes as portas da alma e, também, as da lei por que nos regemos. Mas dir-se-ia que lhes fechámos sempre as portas das nossas casas. Serve isto de imagem para retratar o fenómeno consistente num verdadeiro isolacionismo habitacional, consentido por quem sempre repudiou todas as formas de discriminação.

Daí que, em Moçambique, com destaque para a sua capital, que tomarei como exemplo, os aglomerados urbanos .se apresentem como uma moeda- de duas faces: numa delas cunhou o tempo belas vivendas do melhor estilo europeu, modernas, funcionais, não raro belas; na outra, a proliferação de infindáveis bairros de caniço, sem as condições mínimas de sanidade, onde os africanos se amontoam em promíscua e por vezes, incrível coexistência. O material de construção - paredes de caniço com cobertura de capim, onde o telhado de zinco aflora como inovação revolucionária - basta à defesa do pudor da intimidade de um agregado familiar. Mas não constitui obstáculo à cruel devassa dos elementos. Quando chove, o chão térreo alaga-se, sem possibilidades de escoamento, e a água estagnada fica, por largo tempo, a expulsar o homem e a convocar os seu flagelos. Nas épocas de seca, é o pó o inimigo que tudo cobre, tudo penetra, tudo destrói. Construções provisórias, naturalmente desmontáveis pelo cap richo dos utentes ou por uma simples rabanada de vento, reforçam o ancestral nomadismo das populações, que por isso se não enraízam, nem se fixam. Afora a dos charcos, que a chuva deixa nos recôncavos, onde crianças, sempre ávidas de frescura, experimentam condições de extrema insalubridade, a água- é escassa. Luz, «a do Sol, que essa, ao menos distribui-se a jorros por todos os habitantes do caniço.

Por todas estas desgraças, o chão é no geral propriedade privada, e o proprietário cobra pela sua ocupação renda, nem sempre compatível com as disponibilidades dos ocasionais ocupantes.

Para não me alongar numa descrição que me é penosa, ponho à, disposição de VV. Ex.ªs algumas imagens elucidativas.

É claro que, para além destas cidades du caniço, a planície africana continua, sem limite, o que, à primeira vista, parece deixar sem explicação essa aglomeração de muitos no espaço em que bem mal caberiam poucos Mas facilmente compreenderemos esse «abraço» africano aos centros residenciais europeus se considerarmos que os bairros de caniço representam imensos reservatórios de mão-de-obra diariamente exigida pela «cidade propriamente dita» - como ainda há pouco lhe chamava um vespertino local- e que se não encontra assegurado um eficiente e económico sistema de transportes dos prestadores de serviços para os locais em que trabalham.

Não preciso de chamar a atenção de espíritos tão esclarecidos como são os de VV. Ex.ªs para as implicações político-sociais de uma situação assim. Pela minha parte, estou em crer que todos os esforços de aproximação social e humana com as populações nativas serão baldados enquanto não fizermos um esforço definitivo e sério no sentido de eliminar a discriminação urbanística a que me refiro.

Conheço a magnitude do problema, e não sou visionário ao ponto de julgar possível a instalação, em curto espaço de tempo, de uma população de seis milhões do habitantes em casas de alvenaria, ainda que modestas.