Quer isto significar que, para aceitarmos resolutamente o desafio que a situação nos endereça, não deveremos limitar-nos apenas às razões de humanidade, que sempre nos colhem compassivos, mas levemos atender ainda às de prudência político-social, além de outras.

Este o problema

E ficar-me-ia pelo seu enunciado, deixando a solução aos- especialistas, se não acontecesse que, paredes meias com a capital de Moçambique, na vizinha povoação e sede do concelho da Matola um homem decidiu enfrentá-lo; com denodo e espírito prático sem favor notáveis. Desejo pronunciar aqui o seu nome. É ele o administrador Abel dos Santos Baptista, hoje presidente do Município da Matola. Não lhe devo favores, nem me ligam a ele quaisquer relações de amizade. Mas devo-lhe a gratidão de o ter visto devotado um tanto contra os ventos de uma rotina desalentadora e de uma burocracia entorpecente, um pouco por cima de toda a folha, a fomentar a construção de casas por aqueles e para aqueles que as não têm numa obra que tem parentela cem o milagre da multiplicação dos pães.

Na base do seu esforço, está, como sempre, um ovo de Colombo. Conhecedor da história e da alma africana - cujo domínio aprofundou nas cooperativas de Zanvala também unia obra sua -, apercebeu-se de que na base da solução está o problema da terra, esse denominador comum da problemática humana. Assegurando-lhe a titularidade do solo e, através dela, a obtenção de algum crédito, alguma ajuda técnica e uma ou outra isenção de encargos, o nómada fixa-se, constrói com amor e ama o que construiu. Uma palavra de reconhecimento ao então governador-geral, comandante Gabriel Teixeira, que apoiou incondicionalmente a iniciativa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fui sempre contra as soluções de mão beijada de que são típicos exemplos ias bem intencionadas tentativas de fixação- de colonos europeus, por vezes louvavelmente lado a lado com agricultores africanos nos colonatos de Angola e Moçambique. Essas obras dão-nos a certeza de que o País pode, quando quer, comportar sacrifícios financeiros de algum modo gigantescos. No entanto, penso, que a solução preferível consiste, no caso presente, em assegurar-se aos sem tecto as condições mínimas para que eles. sós ou em cooperação e entreajuda, resolvam por si meninos um problema que, antes de ser da colectividade em que se integram, é dolorosamente seu.

Este caminho, sendo o mais lógico, o mais justo e o duais sábio tem ainda, o mérito, de levar a água ao moinho dos economistas e do contemporizar com as limitações de um orçamento sobrecarregado pelas excepcionais exigências da, defesa nacional.

Em resumo, a solução posta, em prática pela Câmara da Matola assenta nas seguintes premissas fundamentais: Propriedade e posse liminar da terra pelos interessados, por forma que saibam que pisam chão seu (o que os libertará de uma renda não raro usurária) e passam recorrer ao crédito mediante hipoteca sobre o próprio solo e a construção a edificar, crédito esse utilizável gradualmente em função de fases pré-definidas da construção projectada e amortizável a médio ou longo prazo, consoante as possibilidades dos utentes. Prévio atalhoamento e prévia ou simultânea. (gradual ou não) urbanização das áreas destinadas aos novos bairros, esta inicialmente reduzida ao essencial -acessos, água, luz - e posteriormente completada a partir de uma pequena taxa de urbanização ou de qualquer outra fonte de receita. Isenção de todas as taxas, tanto municipais como estaduais, nomeadamente o imposto do selo e a contribuição de registo e redução do juro a pagar pela concessão do terreno a um mero símbolo da manutenção da titularidade sobre a raiz. Fornecimento gratuito, pelo menos aos interessados de economia mais débil, dos materiais necessários ao início da construção, e a todos as maiores facilidades na elaboração e aprovação dos projectos ou no fornecimento de projectos-tipo previamente aprovados, no empréstimo das máquinas indispensáveis para o fabrico de blocos e enchimento de placas e ainda do material para cofragem e escoramento, além da necessária assistência técnica, a começar pela própria marcação da casa no solo, operação que se reveste de algum melindre. Um acentuado abrandamento das imposições legais, especialmente no que se refere a prazos e primores de construção, e uma guerra aberta às peias burocráticas de toda a ordem. Desenvolvimento de um forte espírito de emulação através da instituição de prémios e de um sistema de competição familiar.

A partir deste esquema simples, não raro comprometido em alguns dos seus pormenores pela rotina, pela burocracia e até polo respeito por leis perfeitas de mais para situações de emergência. A Câmara da Matola, sem outra ajuda que a do seu magro orçamento municipal, pôde, apenas em dois anos de entusiasmo, construir três quartos das 200 casas previstas para o seu bairro económico destinado a famílias de operários, modestos funcionários e empregados, enquanto que o Bairro Popular da Câmara, igualmente por ele inspirado, e destinado às famílias economicamente mais débeis, passou já de um projecto inicial do 2000 casas ao ambicioso projecto de dez vezes mais num futuro próximo.

É ainda a semente da mostarda. Mas dir-se-ia que já se vislumbra a mostardeira.

Paralelamente, uma empresa privada - Fomento Predial de Moçambique - lançou ainda na Matola as bases do um bairro popular também destinado a fomentar a construção do casas económicas mediante o sistema de propriedade resolúvel um dez anos, o que aponta para um novo caminho o um novo recurso: o apelo à iniciativa privada, mediante estímulos de toda a ordem, e a segurança de uma justa renda para os capitais investidos, naturalmente reforçada pela satisfação que sempre advém da cooperação em toda a obra humanitária, e nenhuma vejo que o seja mais.

Embora a gravidade e magnitude do problema bom justifiquem o tempo que a VV. Ex.ªs estou ocupando, penso que me aproximo de ter dito o que, sobro o problema, de essencial havia para dizer.

Apenas acrescentarei mais o seguinte: como se sabe. a terra abunda em Moçambique, e na periferia das cidades não escasseiam os lotes de terreno ainda sob o domínio do Estado, em especial os que constituem as anti-