Há no ultramar - e no nosso caso em Lourenço Marques, na Beira, em Quelimane - uma dramática situação nas zonas suburbanas, que atinge brancos, pretos e amarelos? Sem dúvida.

Há que procurar com urgência resolvê-la? Certamente. Mas o que há seguramente é que proceder com serenidade e segurança.

Não creio, apesar das doutas opiniões expendidas em contrário, que tão desmesurada incumbência caiba no âmbito necessariamente restrito das autarquias locais.

O problema reveste um aspecto de tal magnitude que só a actividade centralizadora do Estado o poderá levar a cabo com êxito.

Afigura-se-me que os organismos criados até esta data não têm podido satisfazer cabalmente a urgência da situação. A sua actividade positiva e meritória tem estado bastante aquém do que deles se exige, como já foi dito, e muito bem, pela boca dos oradores que me precederam.

Crie-se, portanto, esse organismo orientador, mas em bases práticas e simples; organismo ao nível provincial, desburocratizado, eficiente, possível.

Entenda-se, porém, que não se pretende que se construam bairros mais ou menos económicos para os dar ou arrendar aos interessados. Ergam-se as infra-estruturas, preparação do terreno, saneamento, água, luz, acessos. Forneçam-se planos, orientação técnica e meios de construção. Mas é o interessado que tem de fazer a sua casa, de a merecer, de a ganhar, de se sacrificar para ascender socialmente. Sem isso estaríamos construindo na areia ou fazendo fachadismo caro e estéril.

Já há experiências feitas em Moçambique e com êxito. Besta coordenar os esforços e andar muito mais depressa.

O ciclone lançou o sinal de alarme na capital de Moçambique. Mostrou o que aliás já todos sabíamos: muitas dezenas de milhares dê pessoas que se haviam instalado em terreno pantanoso e alagadiço, à mercê, portanto, das inundações e da intempérie.

Urge sanear o pântano ou procurar melhores locais.

Estou certo de que o Estado e o município encontrarão a entidade anunciadora que se impõe para remediar o erro cometido inconscientemente por aquelas próprias populações.

Mas financiamento para possibilitar a resolução do problema, resolução que só pode efectivar-se com a colaboração, o esforço, o trabalho e a vontade dessas mesmas populações.

Não me vou alongar muito nestas considerações, mas queria ainda chamar a atenção para um ponto que se me afigura basilar.

Não se pode pretender encontrar uma solução única para um planeamento habitacional das zonas suburbanas, que sirva indiferentemente para Lourenço Marques, Beira, Quelimane ou Porto Amélia.

O Sr. Gonçalo Mesquitela: - Muito bem!

O Orador: -O condicionalismo de cada centro urbano tem de ser estudado in loco « com o maior senso das realidades.

Assim, se for considerado desejável em Lourenço Marques que o agregado familiar se instale o mais próximo possível dos locais de trabalho, já em Quelimane, por exemplo, a posição é inteiramente diversa.

Valendo-me do notável estudo apresentado pelo Eng.º Sousa e Vasconcelos nas Primeiras Jornadas de Engenharia de Moçambique, o qual, estou informado, mereceu a concordância do Município da capital da Zambézia, posso concluir que a instalação das famílias economicamente débeis na periferia daquela cidade não parece a solução mais indicada.

Atendendo às realidades, verifica-se que a maioria daquelas famílias possui pequenas fazendas machambas, as quais são tratadas pela mulher, enquanto o chefe da, família trabalha na cidade. Ora, ficando essas machambas a alguns quilómetros da cidade, parece mais lógico que a casa fique situada na machamba, aí vivendo a família, e que o homem se desloque em transporte mecânico mais vulgarizado na Zambézia ao local de trabalho, regressando depois a casa.

Diz ainda o estudo a que me estou reportando:

A colocação dessas famílias nesses lugares descongestionaria as zonas limítrofes da cidade, permitindo um aproveitamento mais higiénico e equilibrado do terreno. Isto seria até um processo de criar pequenos núcleos agrícolas em que o aglomerado familiar ficasse de posse da terra, o que sem dúvida se traduziria num maior interesse, amor pela mesma, rendimento de trabalho e consequente valorização económica e social do território.

Dou este exemplo para basear a minha ideia de que centralização planeadora não quer de forma alguma dizer uniformidade de soluções.

Aconselho, porém, pelo seu interesse, a leitura completa do notável estudo do Eng.º Sousa e Vasconcelos, já pelos ensinamentos que contém, já pelo que de imediatamente útil e praticável se pode daí colher.

O Governo certamente o terá na devida consideração.

Há que estudar, portanto, a melhor solução para cada caso, em lugar de se correr o risco que deriva do empirismo.

Ao terminar estas considerações, quero mais uma vez frisar a oportunidade do aviso prévio e o merecimento do seu ilustre autor.

O interesse que despertou é vivo testemunho da preocupação do Governo e desta Alta Câmara por tudo aquilo que representa o bem-estar das populações e a solidariedade que nos une nos caminhos luminosos do futuro da Nação Portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Banos Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mantém-se ainda esta Câmara em sessão para discutir o aviso prévio sobre o problema da habitação no ultramar. Fica, assim, desde já, encarecida a importância de tal problema, ao mesmo tempo que se honra e prestigia a consciência política da mais alta Câmara da Nação ao dedicar-lhe demorado estudo e debate.

O que está em discussão é um fenómeno que, quando não provocado por factores violentos e imprevistos, vindos da natureza ou dos acontecimentos humanos, que o ponham em chaga viva, como sucedeu há bem pouco na província de Moçambique, e ainda mais recentemente no Portugal europeu, tal fenómeno, quando não é assim provocado, digo, é, onde quer que surja, índice de haver uma sociedade ultrapassado a sua fase rural para entrar na fase urbana, sinónima de maior densidade demográfica, de maior concentração e adensamento de actividades de vária ordem, de uma estruturação social mais evoluída, tudo reflectindo progresso já alcançado.

O facto, portanto, de haver surgido no ultramar português o problema da habitação, longe de ser nota pejorativa, é, pelo contrário, argumento de honrosa acção