A nossa sobrevivência em África dependerá, portanto, da capacidade que mostrarmos de exercitar, no mais alto grau as mesmas virtudes nucleares.

Para tal exercitação é muito urgente considerar a formação de um verdadeiro escol militar, judicial e administrativo, que seja garantia inteira da ordem portuguesa em todo o território de aquém e de além-mar.

Estaria tentado a dizer, se não temesse alguma confusão, que é necessário refazer uma verdadeira aristocracia, sucedânea daquela que o poder absoluto dos reis e das assembleias, sistematicamente, destruiu.

E que a dureza do clima que hoje sofremos, aguentando toda a África em guerra, requer a «ousadia nunca mais imitada» - a frase, é de Mouzinho - do período áureo da Alta Idade Média e da gesta- ultramarina.

Só «gente ousada mais que quantos», da legenda camoniana, poderá servir de penhor e guarda das desmedidas e distantes fronteiras, levantando dentro delas a fortaleza inexpugnável das almas.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Toda a nossa geração está comprometida neste desafio e dela se hão-de destacar os militares e os administradores capazes do acto essencial do sacrifício e incapazes de ceder à miragem do conforto e da segurança.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Para tanto, talvez fosse conveniente distinguir entre os portugueses da doação e os portugueses da recepção, separar o público do privado, o político do económico, e confirmar a doutrina tradicional que só concedia privilégios em função de sacrifícios.

A admirável fidelidade do povo português ao seu destino histórico está sagrada na epopeia africana, com o sacrifício de brancos e negros, e fomos nós quem assistiu MO seu maior holocausto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aires de Orneias deixou-nos nas notas pescais do seu baptismo de fogo uma lição que não quero esquecer:

Não há nada para limpar ideias como um combate.

A fuzilaria- infernal do quadrado de Marracuene, depois de medo século de paz seguiu-se, realmente, um combate ininterrompido que tem limpado tudo - ideias e fantasmas.

Acabaram as intrigas do parlamentarismo burguês no desmanchar da feira de vaidades da monarquia constitucional e na louça partida da loja republicana.

Tudo quanto resistiu ao combate que prossegue foi a República no verdadeiro sentido da palavra Republica de Portugal, a cuja perfeição já se referiam, respeitosamente, os teólogos de Alcalá e a Dinastia, salva pelo sacrifício e grandeza do rei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Andam, infelizmente, separadas.

Continua, no entanto, o combate e, consequentemente, a limpeza das ideias e dos fantasmas, mas será ainda necessário convocar os poetas, os artistas e os heróis «esses que são capazes de dominar a morte» - para que nos ensinem a sorrir diante de Deus.

A serenidade dominará os espíritos e poderá realizar-se, nesse dia, verdadeiramente, a aliança perene do. homem e da vida a vida sacralizada.

No horizonte, mais claro, adivinha-se a grandiosa perspectiva da gigantesca obra da ocupação, do povoamento e da valorização económica em que estaremos empenhados por várias gerações.

Eu creio que é necessário mais do que nunca robustecer as virtudes nucleares da fidelidade e do sacrifício, aprender a sorrir e continuar a combateu1.

É tempo de terminar.

Aires de Orneias e os soldados de África não tinham muita simpatia pelo Parlamento.

Aqui intrigavam os- «bacharéis tagarelas».

A nós não nos pesa a acusação da intriga e guardamos, comovidamente, a- memória daqueles para quem «o perigo da vida nunca atalhou o caminho da honra».

Posso, por isso, voltar-me, nesta hora crucial do nosso século africano, para o espírito gentil de Aires de Orneias e pedir-lhe que abençoe connosco as gerações que acreditam no milagre de Marracuene e prosseguem, sem hesitação nem cansaço, na defesa da terra e na feitoria económica e política de Portugal um África.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

O Sr. Presidente: - Continua o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Henriques Nazaré acerca do problema habitacional das classes economicamente débeis dó ultramar.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cazal Ribeiro.

O Sr. Cazal Ribeiro: -Sr. Presidente: Ouvi há dias, nesta Assembleia, uma circunstanciada exposição sobre o problema habitacional no ultramar, mais propriamente dito, em Moçambique. Fê-la o Dr. Manuel Nazaré, ilustre Deputado por aquela nossa província- de além-mar-

Vozes mais autorizadas do que a minha já fizeram o seu depoimento sobre tão importante tema. Outras, certamente, se lhes seguirão no debate dê um problema que não traduz apenas um .anseio das gentes do ultramar, mas, de uma forma geral, de todos quantos principalmente habitam junto dos grandes centros urbanos, espalhados pelo espaço português. Acrescentarei mesmo que não se trata apenas de um problema político-social de expressão nacional, uma vez que devemos reconhecer que ele aflige os governantes de quase todos os países do Mundo, embora, claro está, em cada um haja meios e métodos diferentes para a sua solução. A nós, o que interessa directamente é procurar, e sobretudo encontrar, maneira de o resolvermos dentro do condicionalismo que nos é imposto por circunstâncias muitas vezes estranhas à nossa própria vontade.

Este facto, porém, mais nos deve obrigar a unir todas as boas vontades, todos os esforços, para que se encontrem soluções práticas e tão generalizadas quanto possível, pois se, quanto ao ultramar, o problema se põe, concordo, com a- maior acuidade, na metrópole, aqui em Lisboa mesmo, existem- casos verdadeiramente preocupastes e que urge resolver.