Usa-se e abusa-se da proverbial brandura dos nossos costumes, mas exige-se fora das respectivas esferas de acção inflexibilidade na aplicação das leis e dos regulamentos.

Não é menos certo, porém, que algumas análises críticas, fundamentadas e construtivas, provocam, não raramente, nos responsáveis que deviam apreciadas reacções que tornam inteiramente inibitório o diálogo ou o trabalho de colaboração.

Umas vezes tomam essas críticas como uma afronta pessoal, outras vezes procedem como .se elas não tivessem sido feitas; e, talvez mais frequentemente, procuram através dos serviços demonstrar que o que se decidiu ou se fez está certo ou em vi-as de aperfeiçoamento e que a discussão não é, portanto, necessária, conveniente ou oportuna.

Desprezam-se assim irreflectidamente prováveis soluções mais completas ou mais perfeitas.

Neste último caso, «os serviços», designação abstracta de uma rede labiríntica onde com frequência e paradoxalmente os papéis param e as responsabilidades circulam .sem se deterem, denunciam, claro está, uma errada versão da palavra «servir» e obrigam a concluir que a noção de responsabilidade dos servidores está também algo deformada.

A época em que vivemos é, infelizmente, pródiga em exemplos de inconsciência das responsabilidades assumidas.

E se é efectivamente grave o não cumprimento do dever, a insensibilidade ou indiferença de cada um pelas suas faltas ou pelas faltas daqueles que de si dependem é, em meu entender, extremamente miais grave.

Todos sabemos que o bem comum, cuja- promoção deve ser a .primeira das nossas legítimas aspirações, só pode conseguir-se pela conjugação harmónica dos princípios da ordem e da autoridade, e estes firmam-se, naturalmente na Liberdade, na inteligência e na dignidade da pessoa humana.

Numa escala larga de valores todos somos detentores legais de alguma autoridade. É preciso que cada um de nós saiba exercê-la com vista ao bem comum e .sejamos, portanto, conhecedores do condicionalismo básico atrás enunciado.

Todo aquele que não sabe mandar contribui fatalmente para o aumento do número dos que não desejam obedecer.

Srs. Deputados: Não foi o desejo de criar apreensões .«VV. Ex.ª que me levou a referir aqui e agora, algumas realidades que devemos ter presentes no estudo e debate da problemática enunciada.

Nem pretendo dramatizar uma situação que é grave, mas não dramática.

. Entendo simplesmente que é com base nas realidades que devemos pensa«r e agir; e nestas, que procurei identificar, estão precisamente as fundamentais causas de algumas das características condenáveis que uma parte da juventude portuguesa nos apresenta. Estão neste grupo, por exemplo, a desorientação ideológica, a indisciplina, o desrespeito e o cepticismo.

E, por outro lado, são estas mesmas realidades consequências lógicas da má formação, enquanto jovens, dos que hoje são adultos e responsáveis.

A desunião, o individualismo, a crítica gratuita, o complexo de infalibilidade ou da perfeição, a falta de diálogo e colaboração, a inconsciência das responsabilidades, o exercício deficiente de autoridade, são defeitos que só podem, e gradualmente, eliminar-se através de uma acção educativa da nossa juventude.

Não é difícil encontrar nos arquivos relativos aos últimos 40 anos da vida nacional declarações do Governo e legislação promulgada que constituem exemplos inequívocos da «tenção e Ida preocupação que aos nossos governantes tem merecido a formação da juventude.

Devo, contudo, observar que são bem visíveis as distâncias e até as divergências entre as intenções e as leis, e, sobretudo, entre estas e -a sua execução.

Acresce ainda que nem sempre que se fala de educação se quer efectivamente falar em educação.

O amplo significado desta palavra é frequentemente minimizado quando aplicado na limitada acepção de instrução ou ensino.

Não obstante, num sector ou noutro há, evidentemente, ideias claras, certas e eficientemente postas em prática, segurança nos princípios e recta interpretação de normas defensáveis.

Mas a acção educativa por .parte do Estado, e disso se ressente, e naturalmente da Família e da Igreja não é fruto de um trabalho de conjunto e não obedece a uma orientação única superior.

Dedicações isoladas e heróicas, sob o risco permanente de verem ruir o seu trabalho pela acção destrutiva dos seus mais próximos vizinhos, têm, contudo, sabido aproveitar as enormes virtudes da nossa raça e as indiscutíveis qualidades da nossa juventude, na qual continuo a confiar abertamente.

O Sr. Presidente: - Eu quero lembrar a V. Exª. que não está a fazer um .aviso prévio. Conforme determina o artigo 50.º do Regimento, o Deputado que (pretenda versar assunto importante de administração pública ou sugerir ao Governo a conveniência de legislar sobre determinadas aspirações pedirá a palavra mediante aviso prévio, indicando por escrito à Presidência o assunto de que deseja- ocupar-se, resumindo os fundamentos da sua discordância, quando a haja, e articulando ou sumariando as proposições que vai formular.

Assim, dada a extensão do aviso prévio de V. Ex.ª, não posso deixar de lhe chamar a atenção, e faço-o precisamente para que tal não constitua precedente. Autorizo, no entanto, V. Exª. a continuar, vincando que tal não constitui nem pode constituir qualquer precedente.

O Orador: - Sr. Presidente: Escutei com o maior interesse as palavras de V. Exª. e desejo esclarecer que considero estas considerações necessárias à explicação do esquema do aviso prévio que neste momento precisamente ia começar a indicar. Beputo efectivamente basilares estas considerações.

O Sr. Presidente: - Ainda estive para não chamar a atenção de V. Exª. porque pensei que estava a chegar ao fim a sua exposição, mas quando me pareceu que muito ainda havia a expor, não pude deixar de fazer a V. Exª. estas considerações.

O Orador: - Tinha, de facto, chegado ao fim das minhas considerações e ia entrar na exposição do esquema do aviso prévio.