sua gente, minado no interior por condicionalismos que o tempo não deixou vencer; outro, turbulento, desordenado, ávido de poder, sanguinolento muitas vezes, a tactear caminhos que haviam de reduzir em cinco gerações esta Europa de hoje a uma quase colónia da América ou da Rússia.

Colocado em tão favorável ângulo de observação, auscultou, estudou e interpretou o viver do seu tempo com um saber e uma clarividência que ainda hoje são inteiramente válidos quase todos os seus conceitos económicos e políticos.

Por cima do ambiente e do momento português daquela primeira vintena de Oitocentos, agiganta-se, pela vastidão dos seus conhecimentos e pela inteireza do seu carácter, este pensador genuíno, que se mostra sempre português de lei, quer enove conceitos, quer aclare ideias, quer divulgue doutrinas que lhe pareçam úteis à Pátria e à defesa das suas instituições.

O seu pensamento económico é, provavelmente, dos mais esclarecidos da sua época. Era-o pelo menos em Portugal. Conhecedor das correntes mercantilista e fisio-crata, estudara Adam Smith e outras doutrinas então em voga, mas ao aplicá-las ao País modifica-as e adapta-as à índole dos portugueses e às características da sua produção e comércio.

Colocado, como acima disse, entre dois mundos, tenta exaurir de ambos o que parecia prático e exequível: as corporações deverão persistir, mas adaptadas aos novos tempos e à vastidão de novas funções; a iniciativa privada deverá ser a base das acções económicas, mas o Estado deverá intervir, ainda que moderadamente, onde e quando as circunstâncias o aconselhem. Não é, pois, um conservador, por mais espantosa que pareça a observação.

Estabeleciam-se, ao tempo, na Europa as primeiras fases do desenvolvimento industrial. Atento e arguto, vê aí a terapêutica para os males maiores que afligiam a magra economia portuguesa à saída das invasões.

E de tal maneira e com tal asserto propugnou pela industrialização do País que um autor contemporâneo o classificou já de «primeiro grande defensor da indústria moderna em Portugal» e ainda «precursor da política de fomento».

Compulsando-lhe a obra, temos, de facto, de reconhecer que o foi com uma lucidez e uma previsão raras nos seus contemporâneos.

Ao tempo, os estudos de economia em Portugal eram menos que rudimentares. Ele próprio nos deixou este desabafo:

No nosso paíz posto que abundante dos homens sábios em todos os outros ramos scientíficos e de erudição, tem penetrado mui pouco, ou não se tem generalizado os conhecimentos de economia política. Estamos tão pobres a este respeito, que o menos que acontece ao pronunciar-se o nome desta sciência, mesmo entre pessoas, que pela sua profissão a devião ter estudado, he ser recebido com hum sorrizo; e comtudo as suas máximas são as que rendem às nações industriosas o alto gráo de esplendor e riqueza, de que gozão; e por isso he ella a que occupa mais seriamente a atenção dos Governos illustrados desde S. Petersburgo até Madrid. Esta falta de conhecimentos da nossa parte he huma das causas, que mais tem influído no atrazamento em que nos achamos.

E continuava:

A Nação, que possue as matérias primeiras, não as deve mandar em bruto aos estrangeiros, para de-

pois as receber manufacturadas: princípio muito repizado, mas que he necessário repetir-se muitas vezes, pois que ainda não nos temos aproveitado delle. Escavemos as nossas ruínas e acharemos ainda alguns materiaes para o novo edifício.

A indústria he sómente quem pôde salvar-nos porque só ella dá a riqueza, base principal da força, e prosperidade dos povos.

Partindo daí, não cessará de insistir para que se desenvolvam e aprofundem estudos de economia em Portugal.

Numa Memória sobre os meios de melhorar a indústria portuguesa, em que visava sanear necessidades instantes da economia nacional, e que constituía todo um «plano» que tocava a agricultura, a indústria, o comércio, a marinha mercante e as próprias finanças, recomenda mesmo primazia a tais estudos.

Quando hoje se fala de planos de fomento, de desenvolvimento planificado e de coordenação económica, temos de ficar surpreendidos que alguém em 1820 se debruçasse sobre os mesmos problemas.

Há aí, de facto, algo de profético!

Noutra obra que ainda hoje, e sobre vários aspectos, poderá ser útil aos estudiosos de economia, intitulada Variedades sobre Objectos Relativos às Artes, Comércio e Manufacturas, Consideradas segundo os Princípios da Economia Política, perpassou toda uma doutrina de acção económica que ora defende a mecanização da indústria, ora aconselha a aplicação da máquina a vapor à navegação, aqui recomenda moderação na divida pública, mais adiante pede se fixem os sãos princípios em que se há-de basear um crédito suficiente e orientado. Tudo dito em termos sóbrios como convinha à obra científica.

Sempre actual mesmo para o nosso tempo, discreteia também sobre o comércio externo, sem cujo desenvolvimento harmónico «não haverá prosperidade na agricultura e nas indústrias».

No mesmo escrito, e ainda sobre o comércio exterior, analisa o discutido tratado de «Methuen», para observar agudamente que em contrapartida das «vantagens dadas aos lanifícios ingleses, nós não exportamos mais vinho por força do tratado». E mais adiante assacava-lhe outras consequências funestas: «perecia a nossa indústria e fechavam-se as fábricas», rematava.

Nos planos político e humano foi tal a sua estatura moral, tão grande o seu saber, tão claro o desinteresse com que serviu a Pátria e a genuína Monarquia portuguesa, que nenhum dos seus críticos e biógrafos se atreveu

Teve, todavia, vida atribulada este grande vulto do pensamento português.

Provieram-lhe em grande parte as desgraças de ter tido a coragem de escrever uma história das invasões francesas, publicada em vários volumes e opúsculos.

Aí a consciência do escritor e a probidade do historiador inibiram-no de calar nomes e factos indignos de alguns portugueses que, servindo, «colaborando», como agora se diria, com o exército invasor, haviam traído a Pátria e a Monarquia.

Lá aparecem, com o epíteto nada honroso de «afrancesados», os cabecilhas que franquearam as portas de Abran-