súbito verificava, na angústia da sua consciência, que aquele não era, realmente, o rumo do destino nacional. Por isso, em 28 de Maio de 1926, Portugal fez o ponto e olhou à volta, na terrível solidão dos atalhos que percorrera. Tinha de volver ao local conhecido para retomar caminho seguro, e o local conhecido não poderia ser outro senão o reencontro da sua história e das linhas por ela definidas. Este regresso à tradição foi afinal progresso, porque não importa a um povo calcorrear caminhos à toa, e sim percorrer com firmeza e segurança o seu próprio caminho. A História é o local conhecido para as nações transviadas.
As perseguições à Igreja, iniciadas com a extinção das ordens religiosas e confisco dos seus bens, retomadas depois pela República, sob formas igualmente odiosas, integravam-se nos atentados à consciência portuguesa. Quando chegou a 1926, Portugal era como que uma nação mutilada, oprimida, descrente e decadente. Sem dinheiro e sem crédito, sem ordem, sem confiança em si mesmo, violado na sua fé cristã, Portugal sucumbia - nas últimas e extremas consequências de um processo que iniciara em Évora Monte.
Portugal transviara-se, ia perdido a caminho da perdição definitiva. O 28 de Maio, como pronunciamento militar, e a Revolução Nacional, que depois se empreenderia, representaram o reencontro da Nação com o seu próprio destino, foram o retorno àquele ponto conhecido no roteiro - situado na História -, para de novo arrancar e prosseguir a caminhada em rumo seguro, e não por tortuosas vias.
A obra, depois encetada, de restauração da ordem, recuperação das finanças, progresso material, reencontro com a fé e a confiança perdidas, defesa do património ultramarino, aquilo que se fez em todos os planos integra-se numa era criadora, excepcionalmente construtiva.
Em carta de 20 de Abril de 1911, escrevia Teixeira Gomes, de Londres, onde chefiava a nossa missão diplomática:
Agora é que eu constato, toda a nossa vida social, a nossa estabilidade política, a nossa nacionalidade, a conservação das nossas colónias, tudo depende absolutamente do estrangeiro.
E acrescentava:
Parece-me que serão precisas dezenas de anos de administração modelar para nos libertarmos da sua tutela, se é que isso é razoável! (Cf. Correspondência Literária e Política com João Chagas, vol. 1, Lisboa, 1957, pp. 171 e 172; e M. Teixeira Gomes, Correspondência, vol. 1, Lisboa, 1960, p. 20).
«Se é que isso é realizável!» - tal era a descrença e o cepticismo, já então denunciados por um prócere da República triunfante! Ainda mais quinze anos de desgoverno decorreram sobre a data desta carta de Teixeira Gomes, ainda mais quinze anos de afundamento, para, ao fim, com o sacrifício, a tenacidade e o ressurgimento de uma consciência nacional abatida, se dar início à tal «administração modelar» que nos redimiu, que nos honrou, e nos libertou de tutelas aviltantes!
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nas vésperas do Estado Novo, Alfredo Pimenta dirige ao general Gomes da Costa uma carta de incentivo, de confiança, e ao mesmo tempo de clara doutrina. O mal do Estado residia, sobretudo, no sistema, no mito eleitoral, na demagogia à solta. Dizia o lúcido doutrinador:
Não são os soldados que elegem os generais, Sr. General. Não suo os cantoneiros de uma estrada que têm a competência para escolher o engenheiro, Sr. General. Nem os aprendizes de pedreiro para escolher o arquitecto; nem os oficiais de diligências, para escolher os magistrados; nem os meninos de primeiras letras, para escolher os professores.
V. Ex.ª é o chefe da sua casa. Foram os seus filhos quem o escolheu? V. Ex.ª é um dos chefes do Exército Português. Foram os recrutas quem o elegeu?
Em 28, o movimento era uma realidade, aglutinadora de vontades e de esperanças.
Portugueses! - proclamava Gomes da Costa, comandante-chefe do Exército Nacional -, para homens de dignidade e de honra, a situação política do País é inadmissível.
Vergada sob a acção de uma minoria devassa e tirânica, a Nação, envergonhada, sente-se morrer.
O movimento triunfara - pela autoridade contra a anarquia; pela ordem contra a desordem; por um sistema autoritário contra a orgia partidária; pela estabilidade contra os governos a dias; afinal, pelo sim contra o não!
Mas só com Salazar o 28 de Maio teve o conteúdo determinado, sentido positivo. Ele é que fez uma autêntica revolução do que fora Inicialmente um movimento militar contra a demagogia. Ele imprimiu um pensamento à Revolução triunfante, definiu-lhe o corpo de doutrinas, restituiu o Estado à Nação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vale a pena ler os nossos velhos tratadistas de filosofia política, que os temos, e dos bons. Sempre os portugueses foram homens de acção, sem deixarem de ser homens de pensamento. O se>-gredo admirável da ínclita geração esteve, precisamente, em se aliarem nos príncipes de Avis, de maneira verdadeiramente prodigiosa, em síntese insuperável, essas duas qualidades de homens de pensamento e de acção. D. João I, por exemplo, segundo nos conta Zurara (Crónica do Conde D. Pedro, cap. VIII), citou aos seus cavaleiros, por alturas da conquista de Ceuta. De regime Principum, de frei Gil de Roma. Tivemos Afonso IV. mas tivemos também frei Álvaro País, cujos trabalhos são reputados como verdadeiros monumentos. Houve. Nuno Alvares, mas também houve João das Regras; houve Vasco da Gama e houve Pedro Nunes; e Santo António, e André Dias, e Marinho Vaz, Damião de Gois, André de Gouveia, Pedro da Fonseca, Francisco Sanches, Pedro Hispano ...
Frei Álvaro Pais, o célebre bispo de Silves, que foi penitenciário do papa João XXII, escreve no Speculum Regum, livro da linhagem didáctica, destinada a educação de príncipes, que as quatro virtudes cardeais que devem orientar o governante são: «a sobriedade, a sabedoria, a justiça e a coragem, isto é, a fortaleza». E acrescenta que «nada há mais útil que elas», pois são «como que as quatro colunas ou ombreiras com que se firma o referido trono» (Lisboa, 1955, p. 323).
«A sobriedade, a sabedoria, a justiça e a coragem, isto é, a fortaleza» ... Quatro virtudes cardeais dos príncipes.