Queria agora, com permissão de VV. Ex.ª, e em breves palavras, rectificar a interpretação que foi dada pelo Sr. Dr. Janeiro Neves a certo passo da minha exposição.

O texto que foi lido é o seguinte:

Abrimos-lhes as portas da alma e, também, as da lei por que nos regemos. Mas dir-se-ia que lhos fechámos, sempre, as portas das nossas casas. Serve isto de imagem para retratar o fenómeno consistente num verdadeiro isolacionismo habitacional, consentido por quem repudiou todas as formas de discriminação.

Na verdade, pois não afirmei, nem sequer sugeri, que houvesse qualquer intenção em jogo na criação das condições de alojamento que foram aqui focadas. Pelo contrário, parece entender-se claramente, pelo que ficou dito, que foi consentido - apenas consentido - chegar-se a uma situação cuja aparência está em desacordo com o nosso tradicional repúdio por todas as formas de discriminação.

O Sr. Janeiro Neves: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - De qualquer modo, agradeço a oportunidade que me foi facultada para voltar, a este ponto da minha exposição, a definir mais nitidamente o verdadeiro significado que nela se contém, eliminando a possibilidade de qualquer dúvida interpretativa.

O Sr. Janeiro Neves: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Não posso também deixar de fazer referência a dois trechos da intervenção do Sr. Dr. Mesquitela, em que se mostra convencido de que eu vejo «uma linha de discriminação racial» ou «uma discriminação habitacional por raças» na cidade de Lourenço Marques.

O Sr. Gonçalo Mesquitela: - V. Ex.ª dá-me licença?

Não creio, porém, que haja qualquer utilidade em entrar em mais desenvolvidas explicações, e VV. Ex.ª, por certo, me dispensam de o fazer.

A aglomeração populacional em habitações improvisadas é, na verdade, um fenómeno que se produz sem influência de qualquer intenção directiva na cintura das grandes cidades. Trata-se de uma migração provocada pela força atractiva dos próprios centros urbanos e pela natural aspiração dos indivíduos a uma vida melhor.

Estas são as determinantes da geração desses bairros marginais, cujos ocupantes, pela própria natureza do processo, são seleccionados entro as classes económicamente mais desfavorecidas.

Ao mecanismo produtor do problema referiu-se muito criteriosamente o Sr. Dr. Satúrio Pires, que julga necessário regular o afluxo populacional às cidades, sem deixar de considerar que a gravidade da situação actual requer remédio imediato.

Efectivamente, se fosse possível, de momento, dar completa solução ao problema, correr-se-ia o risco de o ver reproduzir-se em breve prazo, e nas mesmas ou em maiores proporções. Se, por um lado, esses bairros indesejáveis tenderiam a reduzir-se por efeitos das providências tomadas para dar melhor alojamento aos seus ocupantes, por outro,

continuariam a alastrar pelo afluxo de novas ondas populacionais, tornando incerto um saldo positivo para a finalidade da tarefa empreendida.

E, pois, necessário fazer alguma coisa mais do que construir casas ou incentivar a sua construção.

Mas como impor limitações a este natural direito de todo o português poder fixar-se no lugar que para isso escolher no território nacional?

A matéria é delicada e requer estudo cuidadoso. K certo, porém, que seria absurdo consentir que toda a população se concentrasse às portas das grandes cidades, esperando depois que o seu problema habitacional e económico aparecesse resolvido.

Julgo indispensável, portanto, que se tomem medidas adequadas, de pura persuasão ou, se necessário, de proibição, para evitar que proliferem tão exuberantemente os bairros de caniço. E neste aspecto, mais uma vez, os condicionalismos locais têm importância decisiva na orientação a adoptar.

Terminarei estas considerações afirmando a minha esperança nas providências que o Governo, por certo não deixará de tomar, em breve prazo, para conveniente solução do problema proposto. E, por tudo o que possa conseguir-se para melhorar as condições habitacionais das populações necessitadas de auxílio, aqui fica expressa, desde já, a minha gratidão.

Seguidamente, apresento a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a moção que submeto à apreciação da Assembleia.

Moção

A Assembleia Nacional, tendo em atenção o debate resultante do aviso prévio sobre o problema da habitação dos económicamente débeis no ultramar, ex.ª prime os seguintes votos: Reconhece a existência de um problema de habitação das classes de economia mais débil de amplitude universal e assim com natural incidência no ultramar português, cuja solução considera da mais alta importância; Reconhece a sua influência sobre outros aspectos do desenvolvimento progressivo da

vida das populações; Reconhece o esforço do Governo Central e dos governos provinciais ultramarinos no sentido de o solucionar; Recomenda o incremento das medidas já tomadas e a adopção de outras, dentro do condicionalismo próprio de cada região e sempre que possível com a colaboração dos interessados, com vista a acelerar o processo de desenvolvimento habitacional em condições de conforto, higiene e salubridade, mormente quanto às populações dos centros urbanos do maior concentração económica; Recomenda o alargamento das providências adoptadas para a promoção social das populações rurais e urbanas, que julga de grande relevância para o seu alojamento condigno; Sugere que, independentemente do estímulo a dar a todas as capacidades e iniciativas, públicas ou privadas, que se revelem realizadoras, se pondere a estruturação de sistemas convenientes para a coordenação de esforços e concentração de recursos financeiros e meios técnicos e científicos, a fim de que. à escala provincial, se estude, pró-