tua frente não permitas, a quem quer que seja, que amesquinhe ou diminua o trabalho do soldadinho que aqui sofre e aqui morre para que muitos egoístas se possam pavonear. Só te digo que gosto disto e que tudo farei pelo melhor.

No dia 14, também de Mueda:

... Quanto ao meu trabalho, vai indo bem; os meios não são os melhores, mas com o espírito de sacrifício dos meus pilotos, com a sua garra, o seu idealismo e com "uma mãozïnha de S. Pedro" (como diz a rapaziada), tudo se vai fazendo, de maneira a não darmos descanso ao "turra amigo".

... Como tu sabes, adapto-me bem a qualquer ambiente, e como, felizmente, não sou medroso, estou como peixe na água, aqui em Mueda; todos os comandantes do Norte já me conhecem e consideram, pois ando sempre alegre, apesar de voar de manhã à noite. Aliás somos nós, pilotos, que damos moral às forças terrestres e os soldados deliram connosco.

De uma carta escrita aos pais, de Mueda para Estremoz e datada de 24:

... Agradeço o vosso apoio e a vossa compreensão em tudo, pois somos tão poucos e andamos cá tão pouco tempo que temos que nos perdoar e amar mais do que nunca.

De outra carta escrita aos sogros:

... Já comecei a trabalhar, e bastante, pois todos os que aqui estamos somos poucos para o muito que há a fazer. Podem ficar descansados que usarei de toda a prudência necessária, não esquecendo as responsabilidades de família que tenho, mas, acima de tudo e contra todos os riscos, tenho de cumprir aquilo que a minha consciência de homem e de português me dita.

... Agradeço imenso as vossas palavras, que são sempre bem recebidas, principalmente nesta situação, onde o que nós mais precisamos é de força moral, pois que força física não falta.

Neste momento, e já há dez dias, encontro-me mesmo na zona de intervenção de Mueda, onde cornando o aeródromo de manobra 51, cuja área abrange, toda a parte leste de Moçambique. A responsabilidade é demasiado grande para um simples tenente, mas os chefes assim o entenderam e não os espero desiludir, mais a mais que com este extraordinário soldado português, seja piloto, pára-que-dista ou infante, não é difícil comandar. Aliás, ninguém sonha o que aqui passam os nossos homens, todos animados por um espírito de sacrifício, por um ideal, com uma capacidade de sofrimento, que só vivendo e sofrendo com eles se pode avaliar.

Hoje assisti ao espectáculo que mais me impressionou em toda a minha curta vida. Levei o capelão a uma companhia acampada mesmo na pior zona do terrorismo e confesso que não vos consigo descrever o que foi aquela missa campal (se campal se pode chamar a uma clareira no meio do capim, sendo o altar um caixote). Vi lágrimas em todos os olhos, olhos de homens que há oito meses estão naquela

zona a viver em buracos no chão (isto é verídico), a passar fome e para quem a morte e o medo nada valem! Até eu me senti na obrigação de os acompanhar naquela cerimónia, e não me envergonho de dizer que nos meus olhos também havia lágrimas. Como vêem, a guerra também tem Compensações e aqui aprendem-se grandes lições, dadas, quase sempre, pelos nossos extraordinários e humildes soldados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estas cartas dispensariam quaisquer comentários. Mas eu desejo fazer sobressair a profunda lição que delas se colhe e que muito útil será para tantos.

Vivemos uma vida normal, 16nge das privações correntes em países que se encontram em guerra.

Por vezes achamo-nos a lastimar a falta deste ou daquele produto, sem nos lembrarmos dos sacrifícios dos que se batem longe dos seus e nos enviam ainda ensinamentos como aqueles que acabei de ler.

Se o peixe rareia por uns dias no mercado, porque o mar, zangado, não deixou trabalhar os nossos corajosos pescadores, logo se anuncia uma importação, como se a Nação não pudesse sentir privações e não tivesse de estar preparada para elas.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Li as passagens mais interessantes das cartas do tenente Braga Gonçalves para que a Câmara e o País possam meditar no que elas têm de sublime e de elevado, para que possamos fazer o nosso m.Cra culpa e "nos mentalizemos de que estamos todos efectivamente em guerra" - como muito bem disse há dias, nesta Assembleia, o ilustre Deputado Dr. Braam-camp Sobral - e para que tenhamos a noção de que, para além deste doce sol e desta pacata vida, há três frentes de combate, onde lutam e morrem os nossos irmãos e os nossos filhos.

Que Deus guarde a alma daquele destemido e heróico moço, símbolo das virtudes da raça e exemplo a apontar e a destacar da já longa galeria de bravos que têm honrado, de forma sublime, a gloriosa farda do Exército Português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antâo Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Esta Assembleia, independentemente dos homens que, em certo momento, a compõem, para em tudo se manter fiel às raízes históricas e aos textos constitucionais que estão na base da sua criação, há-de procurar ser a expressão autêntica da vida política do País.

Por assim o entender, talvez possa invocar, ao retomar hoje a palavra nesta Casa - com os melhores cumprimentos e respeitosas saudações para V. Ex.ª, Sr. Presidente -, e porque os anos rolam, impiedosa-mente, sobre nós, uma tradição parlamentar de sentido e fidelidade política.

O primeiro esteve presente, como linha dominante, na escolha dos temas das intervenções que tenho feito e na participação interessada e activa que tomei nos problemas em que o factor político se afirmava de maneira mais forte e saliente.

A segunda, a fidelidade, esteve sempre clara nas preocupações doutrinarias de que dei testemunho, sem me deixar perder nas abstracções de um puro ideologismo ou nas renúncias e conveniências de um pragmatismo