O Orador: - Os chefes, os técnicos e os funcionários mais elevados desertam para as empresas particulares, onde lhes pagam o dobro e o trabalho não é mais árduo.

Só ficam a servir o Estado aqueles que têm a abençoada paixão desse serviço, aqueles cuja fortuna lhes permite esse luxo, ou então os menos aptos.

Nas categorias mais modestas, o panorama é diferente, porque aí não há o perigo - pelo menos tão frequente - de os respectivos servidores do Estado, cujo número deve rondar os 100 000, serem desafiados pelas empresas particulares.

Mas porque as necessidades desses são mais prementes, e porque não têm esse refúgio, maior é o seu desânimo e o seu crescente descontentamento.

O problema, à parte o seu aspecto humano e social, que é sem dúvida o mais importante, reveste tamibóm um aspecto funcional, visto o Estado correr o risco de ver afectados o rendimento e a eficiência dos seus serviços.

E o prolongamento deste estado de coisas traz também implicações de natureza política, que, por seu melindre, me parece ocioso encarecer aqui.

Eu sei que os réditos do Estado não são ilimitados e que temos uma enorme despesa extraordinária, a que de modo algum podemos fugir, proveniente da guerra que de aléon-fronteiras nos está sendo imposta.

Sei também que para a elevação do nosso nível de vida é indispensável dar a prioridade aos investimentos mais rentáveis e reprodutivos.

E sei ainda que todos estes problemas estão na mente, e no coração, do eminente Ministro das Finanças, a quem daqui saúdo carinhosa e respeitosamente pela sua abnegada dedicação ao serviço da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas atrevo-me a rogar-lhe que não só resolva bem, como é seu timbre, esta questão candente, mas principalmente que a resolva depressa - ainda que para tanto, se indispensável, haja de pedir mais algum sacrifício aos que estiverem em condições de sofrê-lo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tracei este apontamento ligeiro sobre o problema geral da situação do funcionalismo, porque considero necessário insistir, frisar e repisar sobre a urgência que há em resolvê-lo.

Mas a verdade é que o objectivo concreto da minha intervenção de hoje só indirectamente se prende com aquele problema, tem um alcance muitíssimo restrito e reveste-se de características absolutamente especiais.

Quero referir-me à situação, também profundamente deplorável, dos inválidos da I Grande Guerra.

Pelo Decreto n.º 16 443, de Junho de 1929, que aprovou II Código de Inválidos, estes conservavam as antiguidades que lhes competiriam se continuassem a figurar nas escalas das respectivas armas e serviços, sendo a sua promoção, depois de intercalados, regulada pela forma como fosse a do militar que estava colocado à sua esquerda, na escala da arma ou serviço militar.

Coerentemente, os inválidos tinham direito a todas as regalias e vencimentos inerentes aos seus postos como se continuassem pertencendo às suas armas ou serviços de origem, e estivessem arregimentados nas unidades da guarnição de Lisboa, sem direito, porém, à respectiva gratificação de guarnição e impedido.

Porém, em 31 de Dezembro de 1937, o Decreto-Lei n.º 28 404, que aumentou os vencimentos dos militares do activo, reserva e reformados, inexplicavelmente excluiu os inválidos de guerra desse aumento, dispondo no seu artigo 22.º que:

As pensões dos actuais mutilados e inválidos de guerra consideram-se definitivamente fixadas no montante- que a cada um está presentemente atribuído, cessando para os mesmos mutilados ou inválidos o direito à promoção estabelecido pelo Código de Inválidos, que será havido como revogado pelo presente diploma.

A partir de então os inválidos ficaram sem legislação própria, e numa situação inferior aos da reforma ordinária, o que se me afigura sumamente injusto.

Creio poder afirmar que os seus vencimentos são hoje pouco superiores aos dos seus camaradas do activo situados dois postos abaixo; quer dizer, um capitão, por exemplo, por ter tido a desgraça de ser mutilado na guerra de 1914-1918, ganha hoje pouco mais do que um simples alferes.

Ora, se atendermos a que os vencimentos das nossas forças armadas estão tanto ou mais desactualizados do que os do funcionalismo civil - fácil é de concluir quanto será aflitiva a situação daqueles que na I Grande Guerra verteram o seu sangue em proveito da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A reparação desta gritante injustiça nem sequer levantará problemas de tomo ao erário público: os oficiais inválidos sobrevivos da guerra de 1914-1918 eram em Janeiro de 1965 apenas 132.

Creio que seria uma reparação honrosa que se lhes prestava promovendo-os aos postos a que teriam direito, de harmonia com o Código de Inválidos, que o citado artigo 22.º do Decreto n.º 28 404 em má hora revogou.

Aliás, uma medida desta natureza não seria sem precedentes.

Com efeito, por variadas vezes, nos termos do Decreto-Lei n.º 46 001, de 2 de Novembro de 1964, o Governo tem, muito louvavelmente, regularizado a situação de alguns oficiais que, por motivos políticos, tinham sido punidos injustamente há algumas dezenas de anos e colocados na situação de reserva ou de reforma.

A hora de reparação veio, sendo esses oficiais colocados nos postos que lhes competiriam se tivessem continuado no serviço activo.

É uma medida semelhante que eu me atrevo a solicitar, não só para aqueles que foram vítimas de um injustificado ódio político, mas também para aqueles que viram cortada a sua carreira militar por se terem incapacitado ao serviço da Pátria.

Eu disse que esta medida, abrangendo, no máximo, umas dúzias de oficiais, não poderia trazer grandes encargos para o Estado.

Contra isto poderá argumentar-se que não seria justo conceder os benefícios a que me refiro apenas aos inválidos da I Grande Guerra, sem os conceder igualmente aos inválidos da guerra que actualmente nos é movida no ultramar. E que tal benefício, tornado extensivo a todos, já então poderá pesar de forma incomportável no orçamento do Estado.