E, muito pertinentemente, num sentido exacto das profundas realidades do caso industrial português, o Sr. Dr. Fernando Cruz vai afirmando:

Para ser correctamente equacionado, o problema da industrialização de Portugal não pode deixar de tomar como pontos de referência a nossa falta de tradição industrial, a falta de uma mentalidade económica generalizada, a grave insuficiência de quadros, a falta de propensão ao investimento e as outras características do meio e da população.

Apesar dos notáveis progressos operados nos vários campos em que o problema se levanta (e para os apreciarmos com justiça é preciso sempre não esquecer o ponto de partida), parece-nos indispensável nunca perder de vista estas coordenadas, sobre as quais têm de assentar as nossas construções.

É natural que as dificuldades sejam mais árduas, pois temos de percorrer em poucos anos um caminho que outros, mais ricos, trilharam em séculos.

E aqui cabe interromper este depoimento, para se referir uma asserção do respeitável actual bastonário da Ordem dos Engenheiros, Sr. Eng.º Mercier Marques, que todos conhecemos como sendo também uma notável figura da nossa indústria. É essa asserção - escrita num trabalho a que deu o título sugestivo de Mentalidade Industrial (1957) - a seguinte:

Esta revolução industrial, já em marcha (a que se processa, entre nós), mas que se acentuará fortemente nos vinte anos que vão seguir-se, exigirá um esforço complementar muito importante, sem o qual se arriscaria o seu êxito.

Considere-se no entanto que o Sr. Eng.º Mercier Marques, ao falar do esforço que é preciso fazer-se para se entrar, qualificada e fortemente, no campo da industria-1zação nacional, vai dizendo que tal esforço será de todos - Estado e industriais -, em bom trabalho de conjunto. Sr. Presidente: Retorne-se ao Sr. Dr. Fernando Cruz - sem deixar de prevenir que ainda voltarei a referir-me ao Sr. Eng.º Mercier Marques-, pois são da mais elevada qualidade as suas considerações sobre os assuntos cia nossa indústria.

Considera, ainda, pois, o Sr. Dr. Fernando Cruz, no seu referido trabalho Política Industrial: O condicionamento é necessário como elemento de correcção das insuficiências de actuação de muitos empresários, que, por falta de experiência e até de informação ... O condicionamento é necessário como factor de estímulo à iniciativa dos empresários esclarecidos ... O condicionamento é necessário como fórmula susceptível de criar confiança nos detentores de capital

E continua a asseverar:

Por outro lado, podemos serenamente escrever que grande número de iniciativas industriais não teriam sido realizadas sem a confiança gerada em empresários e capitalistas pelo condicionamento industrial.

E aduzimos umarazão mais, que reputamos de muito importante [...]: os sectores industriais libertos do condicionamento não acusaram, em virtude de tal medida, progresso susceptível de ser assinalado. Nem quanto a equipamento, nem quanto a qualidade, nem quanto a salários, nem quanto a produtividade, encontramos melhoria que possamos referir.

E passa a citar casos em que indústrias retiradas cio condicionamento caíram ou em formas artesanais de exploração, pois as maiores unidades ou se desagregaram, ou entraram em período de abertas dificuldades, ou em pulverização sem remédio, o que, tudo, conduziu a nível franco de insuficiência, numa clara desvantagem para a economia portuguesa.

O Sr. Dr. Fernando Cruz, ao referir-se ao binómio "condicionamento e concorrência", afirma:

Insistimos: não pretendemos negar a fundamental utilidade da concorrénccia interna: apenas desejamos lembrar que, numa estrutura limitada, pouco evoluída, c-oino a nossa, enquadrada no conjunto da economia europeia, julgamos perigoso sobrevalorizur o seu alcance.

Níío negando, embora, que o condicionamento industrial pode conduzir a situações indesejáveis, vai afirmando que será de sublinhar que a Administração tem ao seu alcance vários meios de interferir nas condições de abastecimento do mercado

[...] e que nem sempre o aumento da. concorrência por via da ampliação da indústria, por ser o mais simples, se revela o mais vantajoso para o consumidor.

E cabe-me agora ver como o Sr. Dr. Fernando Cruz se referiu ao condicionamento colocado em face das perspectivas de constituição de uma zona europeia de trocas livres.

Asseverando, aquele sagaz e experiente observador da uossa vida industrial, que as perspectivas de constituição - estava-se em 1957 - de uma zona europeia de trocas livres tinham, pelo menos, um interesse directo e imediato, "...o de nos fazer olhar os problemas da industrialização por um prisma europeu, pondo de parte as limitações, por vezes incompreensíveis, levantadas, aos campos de análise e resolução das questões ...", é categórico na pergunta e resposta que formula:

[...] qual a posição do condicionamento em face de tais perspectivas?

Essa é a pergunta. E responde:

Por nós, começamos por dizer que o problema da adesão à zona de trocas livres [...] é independente da existência de um sistema interno de dirigismo económico.

A constituição de uma zona de trocas livres [... ] apenas coloca o problema de preparar a nossa estrutura económica para um embate que será sern dúvida muito duro, desenvolvendo, acelerando e consolidando a nossa industrialização. Porventura teremos até de encarar necessidades de reconversão que conduzam à formação de indústrias colocadas em condições de enfrentar a concorrência.

Posto assim o problema, só uma conclusão julgamos possível: a premência de manter e aperfeiçoar o condicionamento, completando mesmo os seus elementos de interferência.