sempre comigo a marca da preocupação do fatalismo de um destino a que me sinto indestrutivelmente ligado, pois é nesse grandioso e simultaneamente pobre cenário que se radica tudo a que verdadeiramente quero e dá muito do conteúdo ao efémero da minha própria vida. Recordações da descuidada meninice, sonhos da juventude, esperanças, tristezas e saudade, lar, família, todo o povo daquele pequeno mundo, que é todo o meu mundo, em cuja contemplação se prende um viver passado entre homens que lutam, surribando e revolvendo solos ásperos que cavam curvados entre os bardos dos nossos vinhedos, sempre em redor das cepas cuja seiva se confunde com a que os vivifica, pois toda é sangue seu a brotar da realidade em que se amalgama a sua própria vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ser de tal região, na frase de um consagrado escritor da minha terra, é por si só uma responsabilidade.

Pois bem, é na perfeita consciência dessa responsabilidade que tomo sobre mim o encargo de aqui referir o problema em que se debate e por força do qual se joga o seu destino, muito embora as dificuldades que o melindre do seu trato importa nas condições actuais do momento que passa, em que a guerra que no ultramar nos é movida prende toda a nossa atenção e preocupação. E, ao abordá-lo, melhor, ao enunciá-lo e apresentá-lo perante esta Assembleia política, longe de obedecer à imposição de sentimentos próprios bem naturais em quem pessoalmente sente os seus reflexos, antes o faço submisso à obediência devida aos imperativos de um mandato na correspondência a anseios e a apelos a que por inteiro me devo na representação que detenho como servidor dos interesses de um círculo em que o Douro tem marcada relevância e projecção.

Sr. Presidente: O Douro está enfermo. O Douro definha em lenta agonia. Está realmente enfermo, mas não está perdido, nós, pelo menos, nos recusamos a aceitá-lo.

A constatação, o reparo que por estas palavras aqui pretendo deixar expresso, não será mais do que um aviso, um grito de alerta destinado a chamar a atenção do Governo para a existência e gravidade de um problema económico, que, por força do descontentamento que vai gerando, cedo se transformará num problema social e político de grandeza e características que só poderá bem avaliar quem. bem conhecer o carácter das suas gentes. Assim é que problema de tal agudeza não poderia passar despercebido ao Deputado, ao duriense e ao político que sempre fui, desejoso de servir o prestígio de uma orientação que tal situação afecta e gravemente compromete. Não há dúvida de que pertence ao Estado Novo a iniciativa de haver dotado o Douro com uma estrutura que tem conseguido salvaguardá-lo, na vida atribulada em que de há muito se vem debatendo, pelo que louvores lhe são devidos e se lhe não regateiam nesta Câmara, particularmente oportunos e merecidos, na pessoa do ilustre Deputado Eng.º Sebastião Ramirez, a quem coube, como Ministro responsável, a execução da política que então haveria de salvar o Douro, levada a caibo com tanta devoção e interesse que ainda hoje ali se lembra o seu nome considerado cosmo o de um autêntico seu paladino.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O- Orador: - Ao estabelecer então tal política, orientou-se o Governo pela necessidade de defesa de um património que, para além do seu valor humano, tinha e tem incontestável valor como fonte de copiosa riqueza nacional, representada pela exportação dos vinhos do seu solo magnífico, cujo mérito não diminuiu, e antes se mostra com tendência para subir no crescente consumo que se está verificando.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Subsistem, pois, sobradas razões para uma atenção do Governo, na medida em que serão compensados em breve tempo todos os investimentos que a defesa do Douro agora imponha, além de que há na realidade uma obra, um esforço, a preservar e um trabalho a continuar, já que tudo resultaria inútil se à criação dos instrumentos necessários à recuperação que no Douro já foi possível não correspondesse uma paralela acção no sentido de tornar capaz o funcionamento do mecanismo criado para bem cumprir as finalidades da ideia que presidiu ao seu estabelecimento. Se está desactualizado ou se, pelo contrário, está apto a prosseguir, como parece, desde que substancialmente ajudado.

A constatação da sua eficiência passada assim o impõe e agora o exige a luta que teremos de travar contra a gravíssima crise que atravessa, a qual não pode ser menosprezada, muito menos ignorada nas verdadeiras proporções em que se desenha, a exigir pronta e decisiva intervenção, de molde a que se possa assegurar aos muitos que esperam, já não digo a prosperidade, mas uma mediania que lhes permita resistência suficiente para «aguentar», num modo de estar a que todos já nos vamos habituando, à espera de necessários melhores dias. É que estes muitos que esperam são realmente muitos, cerca de 27 000, tantos são, cito-o de cor, os lavradores do Douro, dos quais, a grande maioria, uns 23 000, colhem menos de dez pipas, de nenhum modo latifundiários, mas simples rurais, sem outro arrimo que não seja a terra a que têm presa a esperança de todo o seu viver. 27000 lavradores que representam 27 000 economias familiares!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E assim se verifica como o problema do Douro, transcendendo o limitado âmbito regional, se coloca mais alto, num plano verdadeiramente nacional, cuja resolução toca e tem de interessar a todos nós.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A razão da necessidade deste grito de alerta apressadamente, lançado antes do encerramento