truída e substituída tantas vezes por uma autoridade falsificada, dependente ou incapaz, e a organização de uma verdadeira polícia rural é mais do que precária, inexistente.

Assim a propriedade, a conservação dos frutos, a defesa das plantações, a protecção das culturas estão entregues à malfeitoria própria dos tempos.

A vida das aldeias decorre sobre o signo do abandono e da emigração, de pouco servindo a electricidade que chega, o telefone que se instala, o fontanário que se levanta, a estrada que se constrói.

Tudo precisa, de gente que lhe dê vida, que consuma, que telefone, que circule, mas o acto de consumir, de telefonar, de circular, tem um primeiro ponto de apoio, que é a própria bolsa, bolsa que não pode abrir-se se estiver vazia.

Enquanto não for considerada a economia daquelas populações, olhando para esse fundamental aspecto da sua vida, para a produção e venda da vaca, do porco, da batata, do leite, do vinho, do azeite e dos frutos, os telefones e os fontanários, os fios eléctricos e as estradas serão os monumentos de um tecnicismo desarticulado, compartimentado, do progresso postiço fabricado nesta capital do erro purificado, onde não chegou ainda o cheiro da terra húmida e o bafo da gente, onde nunca se sentiu pulsar a vida estuante de uma verdadeira comunidade rural.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aqui se logrará encontrar o êxtase de estatística, o delírio dos esquemas e dos custos, mas não se pressentirá a vida.

Até essa preciosa água que generosamente levaram às .nossas aldeias corre no Inverno enlameando as ruas e acaba no Verão, porque os serviços de abastecimento, que cuidam de dar de beber a tantos litros por cabeça, não conhecem os costumes das aldeias e a ordem das necessidades das populações rurais.

Não sabem efectivamente estes serviços que os verdadeiros aldeões cuidam primeiro das cabeças dos alhos, das pitas e dos porcos; as deles, porque são reis da criação, são as últimas a ser servidas.

Temos gasto dinheiro sem jeito nem gosto, esquecidos de pequenas e fundamentais realidades que não se ajustam aos comandos únicos da nossa gigantesca administração, centralizada, deformada e desumanizada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Abri há dias as primeiras páginas do noticiário responsável do novo congresso do partido comunista da U. R. S. S.

O jornalista interrogava-se sobre se finalmente, a terra iria ser entregue ao agricultor russo.

Fartos de ver explicar na imprensa oficial que as fraquezas da economia rural resultavam directamente dos Invernos e das Primaveras, alguns economistas que nasceram com o hábito de falar a verdade começaram a dizer que era sobretudo preciso dar a terra aos produtores ou, na linguagem eufemística do partido, "humanizar os métodos soviéticos de exploração da terra de modo que os trabalhadores se sentissem interessados numa alta produtividade- e em cada uma das horas do dia responsáveis pelas suas explorações".

Era preciso que cultivassem com toda a segurança a mesma terra 20 ou 30 anos, fazendo o seu regulamento próprio, quer dizer, as suas tradições".

E mais. Sr. Presidente e Srs. Deputados, "era preciso desenvolver por todos os meios, junto dos trabalhadores, o sentimento da propriedade da produção".

Numa palavra, livres de planificações, de esquemas e de estatísticas, as terras seriam distribuídas aos lavradores para que realmente produzissem.

A Rússia procuraria, desesperadamente, arrepiar caminho e criar tradições, enquanto nós, depois de alguns séculos de mercantilismo em que desprezamos a terra e os lavradores, queremos acabar por destruir as nossas, culpando os agricultores de suas fraquezas, das suas estruturas e necessidades, em lugar de os honrar pelo seu amor à terra e sobriedade do seu viver.

Efectivamente, em primeiro lugar, temos de honrar os lavradores, descobrindo-nos diante deles, concedendo-lhes o lugar que lhes pertence na vida pública, lugar de que foram despojados pela supremacia dos funcionários - economistas, importadores e regulamentadores -, pelos industriais e pelos comerciantes, e, depois, temos de os libertar das suas incomensuráveis dificuldades.

Volto ao discurso de há três séculos:

E estimavam tanto os Romanos a agricultura que muitas famílias tomavam os apelidos dos legumes que semeavam.

Os Fábios, das favas; os Lentulos, das lentilhas; os Cíceros, dos chícharos ou gravanços.

A própria terra agradecia ver-se cultivada por mãos triunfadoras, os imperadores cuidavam tanto dos campos para as sementeiras como dos campos de batalha para as vencer.

Curos e Fabrícios sempre que as tréguas surgiam tomavam o arado para que o valor se não debilitasse com o ócio.

Esta nobre profissão que costumava andar pelos senadores, cônsules e ditadores veio a ficar, como pondera Plínio, em jornaleiros e escravos.

A actualidade do discurso está na verificação do abandono da terra e no perigo que esse abandono comporta.

Os romanos saíam do arado para o senado e nós havemos de defender a sua situação aqui, último reduto da terra empobrecida e maltratada.

Oliveira Martins, estudando o problema da emigração portuguesa, escrevia no fim do século passado:

Não declamemos contra a emigração, pois que não sabemos corrigir as fontes da moléstia; não a agravemos com a insensatez de .um vão palavreado; nau juntemos à miséria o ridículo.

E citava Bocco de Zerbi, sublinhando o relatório que precedia a lei italiana:

Não se deve impedir abertamente, nem por vias oblíquas, a emigração. Ainda quando se quisesse não se podia. E não se devia porque a emigração opera como um moderador espontâneo para temperar os efeitos do aumento da população, quando esta não é proporcional ao aumento dos meios de subsistência.

Não existe balança com a qual nos seja possível comparar a soma de bens com a soma de males que vem da emigração.

Hoje, a população rural sai dos campos para a cidade e sai do País para o estrangeiro.

Para desencorajar estes movimentos é indispensável inverter os pólos de atracção, encorajando a economia da terra pela redução dos impostos, das taxas, da ener-